Artigo originalmente publicado no AGROPORTAL
- No passado dia 13 de Dezembro foi publicada pelo INE (consultar aqui) a primeira estimativa das Contas Económicas da Agricultura (CEA) para o ano de 2016, cujos resultados económicos alcançados foram globalmente muito negativos, apesar do rendimento da actividade agrícola ter crescido 5,8% em relação a 2015.
- Dada a aparente contradição das duas afirmações anteriores, torna-se necessário proceder à sua análise mais detalhada, o que procurarei fazer nos pontos seguintes.
- Primeiro, de acordo com os dados da referida estimativa, o produto agrícola bruto em volume, medido pelo valor acrescentado bruto a preços no produtor constantes, sofreu em 2016 um decréscimo de 11,7% em relação a 2015, o qual contrasta muito desfavoravelmente com as taxas de crescimento médio anual (t.c.m.a.) verificadas no período 2000-10 (-1%) e 2010-14 (-0,7%) e, principalmente, com o acréscimo de 8,7% alcançado no ano de 2015 em relação a 2014 (Quadro 1).
Quadro 1
Evolução do produto agrícola bruto e do rendimento do sector agrícola entre 2010 e 2016
Variação média anual (%) | ||||||
2000-10 | 2010-14 | 2014-15 | 2015-16 | |||
Produto agrícola bruto | ||||||
– | em volume1) | -1,0 | -0,7 | +8,7 | -11,7 | |
– | em valor2) | -0,9 | -0,6 | +5,8 | -6,7 | |
Rendimento do sector agrícola3) | +0,2 | -1,3 | +2,0 | +0,9 | ||
1) | Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor constantes | |||||
2) | Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a preços no produtor correntes nominais | |||||
3) | Medido pelo valor acrescentado bruto agrícola a custo de factores a preços nominais | |||||
Fonte: Contas económicas da agricultura do INE | ||||||
Significa isto que o sector agrícola português terá tido em 2016 uma contribuição muito negativa para o crescimento do PIB, invertendo-se, assim, a tendência de evolução positiva verificada nos últimos cinco anos.
Este decréscimo do VAB a preços constantes em 2016 foi, de acordo com os dados da estimativa em causa, consequência da redução de 4,7% no volume de produção agrícola, a qual resultou das correspondentes quebras verificadas para os cereais (-5%), vegetais e produtos hortícolas (-4,2%), batatas (-5,3%), frutos (-11,2%), leite (-3,5%) e vinho (-20%), todas elas muito superiores à redução observada no volume dos consumos intermédios agrícolas (-1,4%).
Importa, ainda, sublinhar que esta variação de -4,7% no volume de produção agrícola em 2016, segue-se a um acréscimo de 4,0% no ano 2015 em relação a 2014.
- Segundo, o produto agrícola bruto em valor, medido pelo valor acrescentado bruto a preços no produtor correntes nominais, decresceu 6,7% em 2016 em relação a 2015, quando no ano anterior a variação anual tinha sido de um acréscimo de 5,8% e, em média, nos períodos 2000-10 e 2010-14, respectivamente, de -0,9%/ano e -0,6%/ano.
- Comparando os decréscimos em valor e em volume no ano de 2016 para o valor acrescentado bruto agrícola, pode-se afirmar que a relação entre os preços recebidos e pagos pelo produtor foi, este ano, mais favorável em média aos produtores, se bem que de forma bastante desigual entre produtos.
- Terceiro, o rendimento do sector agrícola medido pelo valor acrescentado bruto a custo de factores e a preços nominais, apresentou uma variação positiva de +0,9% no ano de 2016 em relação a 2015, a qual, tendo sido mais favorável que a t.c.m.a. entre 2000-10 (+0,2%/ano) e entre 2010-14 (-1,3%/ano), foi menos de metade da observada para o ano de 2015 em relação a 2014 (+2,0%).Em minha opinião, o aumento em 2016 deste tipo de transferências de rendimento geradas pelas políticas agrícolas em vigor, só pode ser explicado pelo deferimento do seu pagamento de 2015 para 2016, o que, certamente, explica em grande medida a variação de -12,2% que esta rubrica das contas económicas sofreu no ano de 2015 em relação a 2014.
- Significam estes números que, apesar dos deferimentos ocasionais (atrasos nos controlos) ou intencionais (motivos orçamentais) ocorridos que favoreceram os resultados económicos de 2016 em relação a 2015, o rendimento do sector agrícola cresceu menos do que no ano anterior.
- Importa realçar que o comportamento favorável do sector agrícola em 2016 só foi possível porque a quebra observada no produto agrícola em valor (-6,7%) foi mais que compensada pelo aumento anormal (+38,1%) dos pagamentos directos aos produtores desligados da produção (a que o INE designa por outros subsídios à produção).
- Quarto, o rendimento da actividade agrícola, medido pelo rendimento dos factores deflacionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total, teve acréscimos de 5,8% em 2016, o dobro do observado em 2015 (2,9%) e ainda bastante mais elevado do que as t.c.m.a. verificadas nos períodos 2000-10 (0,4%/ano) e 2010-14 (2,0%/ano).
- Este indicador, que eu prefiro designar por rendimento dos produtores agrícolas, pode ser decomposto em dois indicadores distintos:
- a competitividade dos produtores agrícolas, medida pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor, deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total;
- o suporte directo aos produtores, medido pelo valor total dos pagamentos directos aos produtores, deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total.
Procedendo a esta decomposição com base nos dados fornecidos pela primeira estimativa das Contas Económicas da Agricultura, pode-se concluir que (Quadro 2):
- no ano de 2016, o acréscimo de 5,8% no rendimento dos produtores agrícolas portugueses teve subjacente uma perda de 5,8% nas respectiva competitividade, a qual foi, no entanto, largamente compensada por um acréscimo de 31,9% no suporte directo aos produtores em relação a 2015;
- no ano de 2015 o acréscimo de 2,9% no rendimento dos produtores agrícolas, resultou de um ganho de competitividade de 8,3%, o qual foi muito penalizado por um decréscimo de 7,3% no respectivo suporte directos aos produtores em relação a 2014.
Quadro 2
Evolução do rendimento e da competitividade dos produtores agrícolas e da produtividade dos factores de produção agrícolas
Variação média anual (%) | |||||
2000-10 | 2010-14 | 2014-15 | 2015-16 | ||
Rendimento dos produtores agrícolas1) | +0,4 | +2,0 | +2,9 | +5,8 | |
– | Competitividade os produtores agrícolas 2) | -1,2 | +1,9 | +8,3 | -5,8 |
– | Suporte directo aos produtores3) | +4,6 | +2,1 | -7,3 | +31,9 |
Produtividade do factor trabalho4) | +0,9 | +6,0 | +17,3 | -12,7 | |
Produtividade dos factores intermédios e de capital5) | -2,3 | +0,7 | +8,9 | -14,3 | |
Volume de mão-de-obra agrícola total6) | -3,1 | -3,8 | -3,5 | -6,5 | |
1) | Equivalente ao indicador do INE designado por Rendimento da Actividade Agrícola e medido pelo rendimento dos factores deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total | ||||
2) | Medido pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor correntes deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total | ||||
3) | Medido pelos pagamentos directos aos produtores líquidos dos impostos sobre os produtos e a produção deflaccionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total | ||||
4) | Medido pelo valor acrescentado líquido a preços no produtor constantes deflacionado pelo IPIB e dividido pelo volume de mão-de-obra agrícola total | ||||
5) | Medido pelo valor acrescentado líquido agrícola gerado por unidade de valor da produção ambos a preços no produtor constantes | ||||
6) | Equivalente ao número total de unidade de trabalho ano (UTA) agrícola assalariada e não-assalariada | ||||
Fonte: Contas económicas da agricultura do INE |
Importa ainda realçar que a evolução mais favorável do rendimento dos produtores em 2016 face a 2015, foi reforçada pelo facto de o volume de mão-de-obra agrícola total ter, de acordo com a estimativa do INE, diminuído 6,5% no ano que agora termina, enquanto que esta redução foi de, apenas, 3,5% no ano passado.
Significa isto que, apesar de muito superior ao do ano de 2015, o acréscimo de rendimento dos produtos agrícolas em 2016 foi economicamente bastante menos sólido, uma vez que:
- foi acompanhado por uma muito mais elevada perda de empregos agrícolas;
- foi alcançado exclusivamente à custa de um aumento de 30 para 38% da sua dependência em relação aos pagamentos directos aos produtores em vigor, fruto do deferimento para 2016 de parte dos pagamentos relativos a 2015;
- assentou numa evolução muito mais negativa, quer da produtividade do trabalho (-12,7% em 2016 face a +17,3% em 2015), quer da produtividade dos factores intermédios e de capital (-14,3% em 2016 face a +8,9% em 2015).
Para fazer realçar ainda mais a distorção introduzida pelo deferimento para 2016 dos pagamentos directos aos produtores devidos em 2015, fiz uma simulação dos rendimentos dos produtores agrícolas nos últimos dois anos, baseada naquilo que seria o mais provável, ou seja, na média dos valores entre 2015 e 2016, da qual resultou que:
- em 2016 o rendimento dos produtores agrícolas teria sofrido um decréscimo de 3,7% e não o aumento de 5,8% estimado pelo INE;
- em 2015 o rendimento dos produtores agrícolas teria tido um acréscimo de 6,7% e não, apenas, um aumento de 2,9%, como foi estimado pelo INE.
- Por todos estes motivos, concluiria reafirmando que, apesar do titulo do destaque do INE de 13 de Dezembro (Rendimento da Actividade Agrícola deverá aumentar 5,8% em 2016) dar a entender o contrário, a agricultura portuguesa apresentou, em 2016, um dos piores resultados económicos da última década e meia e, nomeadamente, uma quebra muito acentuada em relação ao comportamento económico do sector no ano de 2015.
Francisco Avillez