Análise aos atuais instrumentos de ordenamento e gestão florestal
Os novos PROGRAMAS REGIONAIS DE ORDENAMENTO FLORESTAL (PROFs), publicados em Diário da República, 1ª série (n.º 29) em 11 de fevereiro de 2019, vêm substituir os anteriores 21 Planos Regionais de Ordenamento Florestal, e encontram-se em vigor durante o prazo máximo de 20 anos.
Os Programas Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) constituem os instrumentos de gestão territorial que estabelecem um conjunto de normas relativas ao uso, ocupação, utilização e ordenamento da floresta à escala regional, sendo, segundo o Ministério da Agricultura, “as peças fulcrais da estratégia de ordenamento da floresta que visa responder melhor ao desafio da prevenção dos incêndios.” (in Vida Rural, 2019)
A entrada em vigor dos atuais PROFs é o culminar de um processo de revisão iniciado em 2013, com a publicação da Portaria n.º 78/2013 de fevereiro, que procedeu à suspensão parcial dos PROF então em vigor durante um período de praticamente 6 anos.
No decorrer do processo de revisão foram redefinidos os âmbitos geográficos de cada plano, levando à redução de 21 para 7 PROFs, com o principal objetivo de reduzir custos associados à sua revisão, como também de diminuir a complexidade administrativa, não só para as entidades responsáveis pela sua elaboração e aplicação, como para todos os restantes agentes envolvidos. Deste modo, encontram-se atualmente em vigor os seguintes PROFs:
- Entre Douro e Minho (EDM)
- Trás-os-Montes e Alto Douro (TMAD)
- Centro Litoral (CL)
- Centro Interior (CI)
- Lisboa e Vale do Tejo (LVT)
- Alentejo (ALT)
- Algarve (ALG)
A entrada em vigor dos novos PROFs implica que, na aplicação do constante no n.º 5 do Artigo 4º do Decreto-Lei n.º 65/2017 de 12 de junho, os Planos Diretores Municipais devem adaptar as suas disposições ao conteúdo dos PROFs, com os quais devem ser compatíveis, obrigando à atualização das respetivas plantas (nomeadamente, plantas de ordenamento e de condicionantes). Ainda, os novos PROFs vinculam “direta e imediatamente” os particulares relativamente à obrigatoriedade de elaboração dos Planos de Gestão Florestal, à aplicação das Normas de Intervenção nos Espaços Florestais e ao cumprimento dos limites de área a ocupar por Eucalipto.
Iremos pois, no presente artigo, tentar esclarecer os aspetos vinculativos atrás referidos, assim como efetuar uma análise aos PROFs atualmente em vigor.
1. Sobre a Obrigatoriedade de Elaboração de Planos de Gestão Florestal (PGF)
O novo regime jurídico dos programas e planos de ordenamento, de gestão e de intervenção de âmbito florestal, aprovado na Reforma Florestal de 2017 (DL 16/2009 de 14 de janeiro, alterado pelo DL 65/2017 de 12 de junho) estabelece que ficam obrigatoriamente sujeitos à elaboração de Plano de Gestão Florestal (PGF):
- As explorações florestais e agroflorestais públicas e comunitárias;
- As explorações florestais e agroflorestais privadas de dimensão igual ou superior às definidas nos respetivos PROF;
- As zonas de intervenção florestal (ZIF), nos termos da legislação específica (os proprietários ou outros produtores florestais que se encontrem obrigados pelo PGF da ZIF que integram ficam excluídos da necessidade de elaboração de outro PGF)
Deste modo, os proprietários florestais e agroflorestais privados ficam obrigados à elaboração de um PGF caso a sua exploração florestal e agroflorestal (definida como o prédio ou conjunto de prédios ocupados, total ou parcialmente, por espaços florestais, pertencentes a um ou mais proprietários e que estão submetidos a uma gestão única) apresente uma área igual ou superior àquela definida no respetivo PROF.
As áreas mínimas a partir das quais passa a ser obrigatório a elaboração de PGF para a explorações florestais e agroflorestais privadas varia entre o valor mínimo de 20 hectares (nas regiões PROF EDM e TMAD) e o valor máximo de 100 hectares (na região PROF Alentejo e em parte da região PROF LVT), conforme se mostra na tabela e figura seguintes.
2. Sobre a Aplicação das Normas de Intervenção nos Espaços Florestais
Os PROFs vinculam ainda os proprietários florestais ao cumprimento de um “conjunto de regras e diretrizes técnicas a implementar na gestão florestal, com vista ao cumprimento de um objetivo ou função particular no espaço florestal e causa”.
Deste modo, as regiões PROF foram organizadas territorialmente tendo sido delimitadas sub-regiões homogéneas, para as quais foi estabelecida uma hierarquia funcional com vista ao cumprimento de objetivos específicos definidos para cada sub-região homogénea. Será assim, na ótica do cumprimento destes objetivos específicos, que deverão ser aplicadas as respetivas normas de intervenção nos espaços florestais, descritas nos respetivos documentos estratégicos dos PROFs correspondentes.
As normas de intervenção nos espaços florestais podem então ser de vários tipos, consoante o enquadramento de determinada exploração agroflorestal:
- Normas Gerais de Silvicultura, de aplicação generalizada a todas as sub-regiões homogéneas (por exemplo, referentes à instalação e à gestão de povoamentos florestais);
- Normas aplicáveis ao planeamento florestal de acordo com a função atribuída aos espaços florestais da sub-região homogénea:
- função de Produção
- função de Proteção
- função de Conservação de habitats, de espécies da fauna e da flora e de
- geomonumentos
- função de Silvopastorícia, caça e pesca nas águas interiores
- função de Recreio e valorização da paisagem
- Normas de silvicultura preventiva e operações silvícolas mínimas;
- Normas de aplicação localizada em determinadas áreas específicas:
- Corredores ecológicos;
- Áreas florestais sensíveis;
- Espaços florestais não arborizados.
- Normas a considerar no âmbito das Infraestruturas florestais, da prevenção de incêndios e da recuperação de áreas ardidas
3. Sobre o cumprimento das metas previsionais para espaços florestais, para a área de floresta e para a ocupação das várias espécies florestais
As portarias que aprovam e regulamentam os atuais sete PROFs estabelecem metas previsionais para 2030 e 2050 no que espeita à evolução para os espaços florestais e para a floresta da região em relação à sua superfície total, e para a ocupação das várias espécies florestais em relação à superfície de floresta de cada região PROF. Na tabela e nos gráficos seguintes mostram-se as várias metas definidas em cada PROF. Os valores absolutos apresentados resultam da aplicação das metas estabelecidas nos PROFs sobre as áreas da região PROF respetiva.
No que respeita à evolução dos espaços florestais em cada PROF prevê-se que a proporção destes espaços seja constante ao longo do tempo, ou seja, a proporção de espaços florestais em 2050 será a mesma que em 2010 em todos os PROFs. Neste âmbito refere-se que, a título de curiosidade, para um total nacional de pouco mais de 6 milhões de hectares de espaços florestais, a região PROF Alentejo é aquela que apresenta maior área de espaços florestais (cerca de 1,9 milhões de hectares), sendo a região PROF Algarve aquela em que os espaços florestais apresentam menor área (ocupando cerca de 370 mil hectares). Curiosamente, é nesta região Algarve que a proporção de espaços florestais face a superfície total da região é maior (74%).
Relativamente às metas para as áreas de Floresta, estabelece-se que em quase todos os PROFs (exceto no PROF Centro Interior) haverá um crescimento de floresta até 2050, passando dos atuais 3,17 milhões de hectares de floresta em 2010 para 3,35 milhões de hectares em 2050, a nível nacional (um acréscimo de pouco mais de 182 mil hectares). Depreende-se assim que, mantendo-se a mesma área de espaços florestais, este incremento de floresta resultará da alteração de uso do solo, ocorrendo a conversão de áreas de matos ou pastagens para floresta.
A região PROF com maior taxa de crescimento de floresta entre 2010 e 2050 é o Algarve (+0,4%), refletindo um incremento de quase 25 mil hectares face à área de floresta de 2010. A região do Alentejo, apresentando uma taxa de crescimento para as áreas de floresta de apenas 0,12% entre 2010 e 2050, é a região em que se estabelece haver um maior aumento em valores absolutos, de aproximadamente 55 mil hectares. Na região Centro Interior, como se referiu, não se prevê nenhum incremento de floresta face oa registado em 2010, sendo que nesta região a área de floresta manterá a meta de 23% face a superfície total da região (equivalendo a pouco mais de 231 mil hectares).
Sobre as metas estabelecidas para a ocupação das várias espécies florestais face à superfície de floresta de cada região, apresenta-se de seguida a análise efetuada para as três principais espécies nacionais: Eucalipto, Pinheiro bravo e Sobreiro. Os valores absolutos apresentados resultam da aplicação das metas estabelecidas nos PROFs para cada espécie sobre as áreas de floresta prevista em cada ano, para cada região PROF.
As estimativas de evolução das áreas de floresta ocupadas por Eucalipto de 2010 até 2050 preveem uma redução de cerca de 17,4 mil hectares no território continental, sendo que a região PROF com maior redução da área de eucalipto até 2050, em valores absolutos, é região Centro Litoral (diminuição de cerca de 9,3 mil hectares). No Entre Douro e Minho, apesar das metas indicarem um decréscimo da área de eucalipto em termos de proporção da área de floresta, em termos absolutos verifica-se que nesta região se prevê um aumento da área de eucalipto de aproximadamente 811 hectares em 2050 face 2010, como resultado da meta prevista para o aumento da área de floresta nesta região. A região PROF com a taxa de crescimento mais negativa, no período 2010-2050 para as áreas de floresta ocupadas com eucalipto é a região de Trás-os-Montes e Alto Douro, com uma taxa de crescimento de -0,78% para o período em causa (equivalendo a uma perda de pouco mais do que 2 mil hectares).
Relativamente ao Pinheiro bravo, as metas estabelecidas nos PROFs apontam para um aumento global de cerca de 2.450 hectares em 2050 face o valor de 2010, equivalendo a uma taxa de crescimento de 0,01%. A região PROF com maior crescimento em valores absolutos na área de floresta de pinheiro bravo é a região de Entre Douro e Minho, com um acréscimo de cerca de 11 mil hectares em 2050 face 2010. Já nas regiões do Centro Litoral e do Centro Interior as metas estabelecidas preveem uma redução da área de floresta de pinheiro bravo (uma perda de cerca de 6 mil hectares no Centro Litoral e cerca de 9 mil hectares no Centro Interior em 2050 face 2010).
As metas estabelecidas para a ocupação de áreas de floresta de sobreiro nos novos PROFs, para o continente, preveem um acréscimo em valores absolutos de cerca de 45,4 mil hectares em 2050 face a 2010, correspondendo a uma taxa de crescimento de 0,15% nesse período. A região PROF com maior acréscimo de área de floresta de sobreiro, segundo as metas estabelecidas, é o Alentejo, prevendo-se um ganho de mais de 25 mil hectares em 2050 face à área de 2010. As regiões do Centro Litoral e de Entre Douro e Minho são aquelas onde se estabelecem as metas mais baixas para as áreas de floresta de sobreiro em 2050 (<1%), que corresponderão a ganhos na ordem dos 264 e 270 hectares, respetivamente para cada região, em 2050 face a 2010.
4. Sobre os limites máximos de área a ocupar por Eucalipto
Por último, e conforme o estabelecido no Anexo IV dos regulamentos dos PROFs publicados nas portarias que os aprovam, far-se-á de seguida uma análise aos limites máximos de área a ocupar por eucalipto, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei n.º 96/2013 de 19 de julho, na sua redação atual (RJAAR – Regime Jurídico aplicável às Ações de Arborização e Rearborização, com recurso a espécies florestais, no território continental).
Dos 278 concelhos do continente, apenas 121 possuem margem para aumentar a sua área ocupada por eucalipto em 2050, face aos valores de 2010, sendo que essa margem varia entre 1 hectare (concelho de Celorico da Beira, na região PROF Centro Interior) e 3.172 hectares (concelho de Odemira, na região PROF do Alentejo). Dos valores publicados nas portarias que aprovam os novos PROFs, apenas 3 concelhos (Leiria, Castelo Branco e Odemira) possuem margens de acréscimo até 2050 superiores a 1.000 hectares, sendo que 36 concelhos apresentam margens de acréscimo até 2050 inferiores ou iguais a 50 hectares.
No total nacional, segundo os limites estabelecidos para os vários PROFs, haverá uma margem de crescimento de mais 32.045 hectares de Eucalipto até 2050, distribuídos pelas regiões PROF segundo o constante no gráfico seguinte.
Analisando os limites máximos de área a ocupar por Eucalipto em 2050 em cada região PROF, verifica-se que aquela que apresenta maior margem para aumento da área ocupada por Eucalipto é a região Centro Litoral, sendo esta conclusão contraditória com o estabelecido nas metas para a distribuição percentual das espécies em relação à superfície de floresta, apresentado anteriormente. Já a região PROF Trás-os-Montes e Alto Douro é aquela com menor margem de aumento de área de eucalipto até 2050, o que está coerente com as metas identificadas anteriormente.
Contudo, convém relembrar que desde 2013, ano em que foi estabelecido o RJAAR, todas as novas áreas de eucalipto se encontram sujeitas à autorização/comunicação por parte do ICNF, pelo que aos valores de limites máximos ou margens atrás apresentadas terão de ser deduzidos o que já foi (re)arborizado com Eucalipto desde 2013.
Ora, segundo as informações disponibilizadas pelo ICNF, desde Julho de 2013 até ao final do 1º semestre de 2018, foram alvo de autorização e comunicação prévia um total de 5.148 processos de novas arborizações com Eucalipto, correspondentes a uma área total de 11.141 hectares. Já os processos de rearborização com eucalipto com alteração da espécie (que são os processos que constituem novas áreas de eucalipto) neste período 2013-2018 resultaram em mais 11.750 hectares.
Ora, o valor total das arborizações e rearborizações (com alteração de espécie) com eucalipto já realizadas (22.891 hectares) terá de ser descontado à margem de acréscimo anteriormente referida (32.045 hectares). Deste modo, o acréscimo máximo efetivo de novas áreas de eucalipto para o território continental até 2050 será apenas de 9.154 hectares. Por falta de dados disponíveis, a análise efetuada não permitiu aferir a que concelhos deverá ser deduzida a área já (re)arborizada com Eucalipto.
Por último, foi analisada a distribuição dos concelhos com margem para aumento da área ocupada por Eucalipto (valores brutos, sem desconto dos valores do RJAAR) com a ocupação atual de Eucalipto (com base na Carta de Ocupação do Solo COS 2015).
Como se pode observar no mapa, os concelhos estabelecidos nos PROFs que preveem a expansão da área de Eucalipto localizam-se em regiões onde, segundo a COS 2015, a espécie é ainda pouco representativa, com especial incidência nos concelhos da região PROF Trás-os-Montes e Alto Douro e Centro Interior. Também na Região do Alentejo (sobretudo no Alto Alentejo) e do Algarve, os concelhos com possibilidade de expansão da área de eucalipto, apresentam atualmente pouca representatividade da espécie.
Engª Nélia Aires – COORDENADORA DA ÁREA FLORESTAL