As principais medidas de gestão florestal para os próximos anos e o impacto para a descarbonização da economia portuguesa
1. INTRODUÇÃO
Com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 107/2019 em 1 de julho, que aprova o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), pareceu-nos conveniente fazer um primeiro balanço sobre as orientações expressas no RNC2050 para manter e aumentar a capacidade de sequestro da floresta portuguesa, e os primeiros resultados e evidências da concretização das medidas de gestão florestal em vigor, consubstanciadas pelos mais recentes dados de área ardida e das emissões de CO2 associadas, assim como pelos dados mais recentes referentes à implementação de ações de arborização no território continental.
Este artigo visa, assim, a apresentação do contributo que o sector florestal português poderá vir a ter para a descarbonização da economia portuguesa ao longo das próximas décadas, análise esta que irá ser apresentada de acordo com os seguintes aspetos:
- a contribuição atual do sector florestal português nas emissões e capacidade de sequestro de GEE;
- as trajetórias de emissões / sequestro de GEE previstas para as próximas três décadas;
- as principais medidas de gestão florestal preconizadas e respetivas implicações de natureza política.
2. O SETOR FLORESTAL NO ROTEIRO PARA A NEUTRALIDADE CARBÓNICA 2050 (RNC2050)
O Governo Português assumiu, em 2016, no âmbito do Acordo de Paris, o compromisso de atingir até 2050 a neutralidade carbónica da economia portuguesa. Neste sentido, o RNC 2050, elaborado por uma equipa técnica1 multidisciplinar da qual a AGRO.GES fez parte, visou contribuir para o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris, e concretamente, “explorar a viabilidade de trajetórias que conduzam à neutralidade carbónica, identificando os principais vetores de descarbonização e estimando o potencial de redução dos vários sectores da economia nacional, como sejam a indústria, a mobilidade e os transportes, a agricultura, as florestas e outros usos dos solos, os resíduos e as águas residuais” (RCM n.º 107/2019).
Os relatórios técnicos elaborados pela AGRO.GES vêm apresentados de forma resumida no Anexo do RCM em causa e as suas versões completas irão ser disponibilizadas oportunamente pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
De acordo com a metodologia estabelecida pelo IPCC (Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories (2006)2 – Volume 4 – Agriculture, Forestry and Other Land Use) o setor florestal encontra-se englobado num setor mais abrangente, designado por LULUCF – Land Use, Land Use Change and Forests (vulgarmente designado por Usos do Solo e Florestas). Contudo, para efeitos de comunicação dos resultados do setor florestal no RNC 2050, optou-se por considerar, no relatório técnico correspondente, uma delimitação setorial algo distinta daquela que é exigida pela Convenção Quadro de Alterações Climáticas e adotada pela APA no âmbito do Inventário Nacional de Emissões, distinguindo mais realisticamente qual o efetivo contributo do setor agrícola (atividades agrícolas e solos que estas ocupam) e do setor florestal (floresta e outros usos do solo) no balanço global de GEE.
2.1 As emissões de GEE pelo sector Florestal português
Os dados históricos de emissões líquidas de GEE disponibilizados pela APA, no âmbito da publicação do Inventário Nacional de Emissões (National Inventory Report – NIR – 20193), mostram que, considerando os últimos 10 anos e excluindo o trágico ano de 2017, o setor LULUCF apresenta uma capacidade de sequestro média de -10 Mt CO2e/ano, sendo que o subsetor florestal (solos com floresta e outros usos do solo) apresentaram valores médios -11,4 Mt CO2e/ano, correspondendo assim a setores normalmente sequestradores líquidos de GEE.
Contudo, de acordo com os dados do último Inventário Nacional de Emissões, em 2017 as emissões líquidas de GEE do subsector florestal português (onde se incluem os outros usos do solo) atingiram 6,5 Mt CO2e/ano, que resultaram das emissões associadas aos solos florestais e matos (3,6 Mt CO2e/ano), assim como aos outros usos do solo (zonas húmidas e solos urbanos com 2,9 Mt CO2e/ano). Os 6,5 Mt CO2e/ano emitidos pelo setor florestal português em 2017 correspondem assim a emissões de metano (CH4), de óxido nitroso (N2O) e de dióxido de carbono (CO2)4, resultantes das alterações de stock de carbono na biomassa, na matéria orgânica e no solo mineral (como resultado das alterações de uso do solo registadas num período de 20 anos), dos acréscimos de biomassa anual da vegetação e, sobretudo, das emissões resultantes da biomassa ardida anualmente.
De facto, quando considerado na sua globalidade, o setor LULUCF, mas sobretudo o setor florestal, têm sido maioritariamente contribuintes para o sequestro de GEE, caracterizando deste modo a categoria AFOLU – Agricultura, Floresta e Outros Usos do Solo, como um setor relativamente neutro em termos de emissões de GEE, tal como se pode observar no gráfico seguinte.
O ano de 2017 foi, à semelhança do que já tinha sido o ano de 2003 e 2005, uma exceção ao que tradicionalmente ocorre e é considerado norma, uma vez que tanto o setor florestal como o setor LULUCF deixaram de contribuir para o sequestro de GEE, passando pois a constituir-se emissores líquidos de GEE na categoria AFOLU. O ano de 2017 foi inclusivamente o mais negativo em termos de resultados líquidos nas emissões de GEE registado desde 2000, uma vez que foi o único ano em que a componente de solos com floresta e matos apresentou valores positivos, ou seja, perdeu a sua capacidade de sequestrar e constituiu-se como um emissor de GEE.
Este resultado deveu-se sobretudo aos catastróficos eventos de incêndios rurais ocorridos nestes anos (2003, 2005 e sobretudo 2017), os quais foram responsáveis pelo aumento de 12,7 Mt CO2e/ano nas emissões do setor florestal e na categoria AFOLU entre 2016 e 2017.
Depreende-se pois que, concretamente no setor florestal, são três os principais fatores que irão ter uma influência determinante na evolução, ao longo das próximas décadas, da sua contribuição para o aumento da sua capacidade de sequestro, com vista à descarbonização da economia nacional e ao cumprimento dos compromissos nacionais assumidos. Assim, consideraram-se como fatores determinantes para a evolução da floresta portuguesa nas próximas décadas, e com um papel determinante para o aumento da sua capacidade de sequestro:
- A diminuição da área ardida média anual;
- O aumento da área de floresta nacional, como resultado do investimento em novas áreas de floresta e na reflorestação de áreas ardidas;
- O incremento da produtividade média anual associada aos povoamentos florestais.
Foi nesta base de trabalho que se desenvolveu o trabalho incluído no RNC2050 para o setor LULUCF, e concretamente para o setor florestal, e que de seguida iremos apresentar os principais resultados.
2.2 Cenários socioeconómicos e tendências de evolução sectorial
2.2.1 Cenários socioeconómicos
O estabelecimento de trajetórias alternativas de emissões e sequestro de GEE para a economia portuguesa nas próximas décadas, teve subjacente a definição de diferentes cenários socioeconómicos.
Foram três os cenários socioeconómicos (Fora de Pista, Pelotão e Camisola Amarela) definidos pela equipa responsável pela elaboração do RNC 2050 e devidamente validados por diferentes instituições consultadas para o efeito.
É deles que decorre um conjunto de grandes tendências de evolução da sociedade e da economia portuguesa e do respetivo contexto internacional, as quais estão subjacentes ao exercício de cenarização realizado pelas equipas responsáveis pelos diferentes setores em geral e pelo setor agrícola em particular.
O cenário Fora de Pista (FP) estabelecido pela AGRO.GES reflete as tendências de evolução verificadas nas últimas décadas para cada um dos fatores previamente identificados, e que se caracteriza por:
- Uma evolução crescente da área ardida média anual, alavancada ao percentil 75 da área ardida total desde 1990 até 2017, e que corresponde a uma área ardida média anual de 170 mil hectares;
- Em termos de composição florestal, e com base nas tendências históricas verificadas, haverá uma diminuição das áreas de pinheiro bravo e de eucalipto, e um aumento na representatividade dos povoamentos de folhosas, sobretudo de invasoras lenhosas, resultado de regeneração natural em áreas ardidas;
- Manutenção do elevado risco de incêndio associado aos espaços rurais, gerador de um desinvestimento crescente na gestão da floresta, traduzindo-se numa diminuição gradual de área de floresta;
- Em consequência da perda de área florestal ocorrerão transições de uso de solo de floresta para outros usos, resultando sobretudo num aumento da área de matos;
- Manutenção dos níveis de produtividade médios atuais dos povoamentos florestais;
- A evolução das áreas agrícolas, áreas de pastagens, zonas alagadas e áreas urbanas segundo as tendências de crescimento históricas médias verificadas desde 1990 até 2015.
No que se refere ao Cenário Pelotão (PL) definido pela AGRO.GES, as tendências setoriais caracterizam-se por:
- Diminuição da área ardida média anual, como resultado de uma melhoria na gestão e no ordenamento do território e num maior investimento na gestão dos povoamentos, tendo-se definido para o efeito o valor correspondente ao percentil 40 da área ardida total desde 1990 até 2017, que corresponde a uma área ardida média anual de 90 mil hectares.
- As áreas ardidas serão maioritariamente reflorestadas com espécies de produção (sobreiro, pinheiro bravo e eucalipto), havendo uma menor perda de área florestal para matos (desflorestação);
- A melhor gestão da floresta e a diminuição das perdas por incêndios permitem aumentos de produtividade florestal consideráveis, sobretudo nas principais espécies florestais que suportam as fileiras industriais;
- A diminuição do risco gerado pela redução das áreas ardidas será potenciador ao investimento florestal, levando a um objetivo anual de florestação ativa de 3500 ha/ano.
- A expansão da área florestal é limitada, mas focada nas espécies de produção, havendo um reforço na distribuição de apoios ao investimento na chamada “floresta de produção”;
- Uma maior eficiência na utilização dos fatores intermédios de produção agrícola, associados com uma expansão moderada da zootecnia de precisão e com uma melhoria da digestibilidade da alimentação animal, uma maior eficiência na gestão dos efluentes e uma expansão das pastagens permanentes ricas em leguminosas;
- A evolução das zonas alagadas e das áreas urbanas assume tendências mais conservadoras do que as tendências médias históricas;
- As taxas de crescimento das áreas de outros usos, sobretudo as áreas de matos, serão inferiores às registadas no cenário FP, uma vez que se prevê uma menor perda de área florestal para matos em consequência da diminuição da ocorrência de incêndios florestais.
As tendências de evolução setorial no Cenário Camisola Amarela (CA) caracterizam-se por:
- Maior redução da área ardida média anual, como resultado, por um lado de melhorias significativas na gestão dos povoamentos e do incremento dos níveis de investimento, e por outro lado, numa presença mais efetiva das populações no território rural – área ardida média anual significativamente inferior àquela registada em média desde 1990 até 2017, tendo-se definido para o efeito o valor correspondente ao percentil 25 da área ardida total desde 1990 até 2017, que corresponde a uma área ardida média anual de 70 mil hectares;
- O menor risco associado à floresta gerará um maior interesse na florestação ativa de áreas não florestais (meta de 8000 ha/ano), levando a uma expansão da área florestal mais significativa, com maior enfoque nas espécies de proteção e de conservação (folhosas autóctones);
- As áreas ardidas serão maioritariamente reflorestadas com espécies de folhosas autóctones e também com espécies de produção, havendo uma melhor especialização do território face as suas reais aptidões (produção, proteção ou conservação);
- A perda de área florestal para matos (desflorestação) será tendencialmente nula;
- A melhor gestão da floresta e a diminuição das perdas por incêndios permitem aumentos de produtividade florestal ainda mais consideráveis, em todas as essências florestais;
- Nas áreas agrícolas prevêem-se ganhos crescentes de eficiência no uso dos fatores intermédios em geral e dos fertilizantes em particular, assim como um aumento significativo das áreas ocupadas pelas agriculturas de precisão, de conservação e do modo de produção biológico e pelas pastagens permanentes ricas em leguminosas;
- A evolução das zonas alagadas e das áreas urbanas assume tendências mais conservadoras do que as tendências médias históricas verificadas no cenário FP;
- As taxas de crescimento das áreas de outros usos, sobretudo as áreas de matos, serão inferiores às registadas no cenário FP, uma vez que se prevê uma menor perda de área florestal para matos em consequência da diminuição da ocorrência de incêndios florestais, mas são superiores às obtidas para o cenário PL, pela diminuição de área agrícola e de área de pastagens, assim como pela diminuição do crescimento das áreas urbanas e zonas húmidas.
- No âmbito da definição e implementação de políticas de apoio ao investimento, haverá um reforço na distribuição de apoios aos serviços dos ecossistemas e à manutenção de biodiversidade da floresta.
2.2.2 Tendências de evolução das principais variáveis consideradas no setor Florestal
Levando em consideração os pressupostos base apresentados, procedeu-se ao estabelecimento das tendências de evolução das variáveis de cenarização consideradas, para cada um dos cenários em causa. Assim, a quantificação da evolução das principais variáveis setoriais de cada um dos cenários em causa resultou de um conjunto de “educated guesses” baseado, quer nas respetivas tendências de evolução nas últimas décadas, quer na expectativa de desenvolvimento da floresta portuguesa assumindo os pressupostos atrás referidos, tendo como base os referenciais de evolução da floresta portuguesa descritos na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) e nos restantes instrumentos de ordenamento florestal, como nos recentemente aprovados Programas Regionais de Ordenamento Florestal (PROF). Para o efeito foram também tidas em consideração as opiniões resultantes de várias consultas efetuadas a stakeholders da fileira, efetuadas quer antes como durante o processo de consulta pública realizado.
As tendências de evolução verificadas nos últimos anos em relação às áreas ocupadas pelos vários usos do solo, e dentro do uso florestal, para as várias espécies florestais, foram estabelecidas a partir dos dados publicados no âmbito do NIR (1995-2017) e que correspondem, sobretudo a dados da COS 2010 (DGT).
2.2.2.1 Evolução da área ardida média anual
Como já foi anteriormente referido, a evolução da área ardida média anual em cada cenário prospetivo teve como base a análise da série histórica da área ardida anual registada desde 1990 até 2017, tendo-se definido metas distintas de evolução da área ardida anual em cada cenário consoante as narrativas associadas a cada um, e consubstanciadas nos resultados obtidos das consultas a stakeholders realizadas.
Deste modo, as metas consideradas para a área ardida total média anual em cada cenário foram:
- 170 mil hectares/ano no cenário FP (percentil 75 da série histórica 1990/2017)
- 90 mil hectares/ano no cenário PL (percentil 40 da série histórica 1990/2017)
- 70 mil hectares/ano no cenário CA (percentil 25 da série histórica 1990/2017)
Os cenários prospetivos assumem assim que na variável de evolução das áreas ardidas médias anuais o valor estabelecido em cada cenário será mantido ao longo dos anos, não registando assim eventuais oscilações inter-anuais que seguramente irão ocorrer e que resultam da variabilidade das condições meteorológicas ao longo dos anos. Contudo, no âmbito deste exercício não foram consideradas as oscilações resultantes das alterações climáticas, em termos de evolução da temperatura e precipitação, com impacto na incidência de incêndios florestais.
Relativamente à evolução atual desta variável, analisaram-se os dados oficiais mais recentes sobre a evolução da área ardida dos últimos 12 anos, para o período entre 1 de janeiro e 31 de julho, onde se observou que desde 2015, e com exceção do catastrófico ano de 2017, a área ardida neste período foi inferior à média registada no mesmo período, desde 2008 até 2019. Apesar dos dados serem ainda provisórios, e da época crítica de incêndios ainda não ter terminado, perspetiva-se contudo que a área ardida em 2019 não atinja os valores considerados quer no cenário Fora de Pista (170 mil hectares) nem no cenário Pelotão (90 mil hectares), podendo até ser inferior à área ardida média anual considerada no cenário Camisola Amarela (70 mil hectares).
2.2.2.2 Evolução da área florestal e da sua composição específica
A evolução da área florestal e da sua composição específica no exercício de cenarização efetuado teve por base um conjunto de pressupostos de evolução de vários parâmetros relativos ao desenvolvimento futuro das áreas ardidas (taxa de regeneração natural pós incêndio, taxa de regeneração artificial pós incêndio, taxa de conversão para outras espécies e taxa de desflorestação) e ao desenvolvimento de novas áreas de floresta (taxa de florestação a partir de matos – regeneração natural – e taxa de florestação ativa). No que respeita às taxas de florestação ativa, assumiram-se como metas anuais de novas áreas de floresta, nos cenários Pelotão e Camisola Amarela, os valores de 3500 ha/ano e 8000 ha/ano, respetivamente.
No quadro seguinte mostram-se os pressupostos considerados para cada parâmetro referido, em cada cenário prospetivo. De modo a auxiliar a leitura do quadro seguinte refere-se, a título exemplificativo, o caso do Pinheiro Bravo no qual se considerou que, no cenário Fora de Pista (FP), a reconversão de áreas ardidas de Pinheiro Bravo resultam de regeneração natural em 40%, de regeneração artificial em 10%, de conversão para outras espécies em 20% e de perda para matos (desflorestação) em 30%. Do mesmo modo, as novas áreas de Pinheiro Bravo obtém-se a partir de regeneração natural (em 20%), não tendo sido considerada qualquer taxa de florestação ativa (novas áreas de floresta que não matos) para esta espécie.
Os resultados destes pressupostos que foram utilizados para a determinação da evolução da variável “área florestal e sua composição específica” mostram-se de seguida.
No que respeita à análise dos dados mais recentes relativos à evolução da área florestal nacional, foram analisados os dados relativos às ações de arborização e rearborização (RJAAR) desde 2014 até 2018, publicados pelo ICNF, e que incluem áreas (re)arborizadas ao abrigo dos apoios comunitários. Esta análise permitiu aferir que as metas previstas de florestação ativa nos dois cenários de evolução para a neutralidade (3500 ha/ano e 8000 ha/ano, respetivamente no cenário Pelotão e Camisola Amarela) estão bastante abaixo dos valores anuais efetivamente registados (14 mil ha em 2014, 12 mil ha em 2015, 24 mil ha em 2016, 23 mil ha em 2017, 12 mil ha em 2018), mostrando assim que as metas previstas no exercício de modelação são exequíveis, podendo ser inclusive até um pouco conservadoras.
2.2.2.3 Evolução da produtividade florestal
Uma última variável considerada no exercício de modelação baseou-se na evolução da produtividade florestal das principais espécies consideradas, tendo-se assumido variações dos níveis de produtividade face os valores constantes no NIR de 2018 (valores médios nacionais) com acréscimos mínimos de 5% e acréscimos máximos de 30%, nos cenários Pelotão e Camisola Amarela. Estes acréscimos consideraram-se atingíveis apenas em 2050, com acréscimos graduais ao longo dos anos. Esta opção de simulação justifica-se dadas as especificidades de desenvolvimento das espécies florestais e o longo prazo necessário para a manifestação dos resultados da implementação de técnicas de gestão na melhoria da produtividade dos povoamentos florestais.
2.3 Trajetórias de emissões e sequestro de GEE
Com base na evolução prevista para as diferentes variáveis sectoriais e nos valores unitários das emissões e sequestro de GEE estimados a partir das diretrizes metodológicas mais recentes (2016 IPCC Guidelines), procedeu-se ao cálculo das trajetórias de emissões e sequestro de GEE para os três diferentes cenários alternativos.
Os resultados para os setores agricultura, floresta e outros usos de solo (AFOLU) são sumarizados na tabela abaixo:
Da análise comparativa das trajetórias de emissões e sequestro de GEE, entre 2005 e 2050, do subsetor “Floresta e outros usos de solo” para os três cenários em causa, é possível retirar as seguintes principais conclusões:
- que os outros usos do solo que não floresta (solos com agricultura, com zonas húmidas e solos urbanizados) constituem sempre uma fonte de emissão, com uma evolução tendencialmente crescente até 2050 no cenário FP (+6% face 2005 no cenário FP) e decrescente nos cenários PL (-9%) e CA (-12%), em consequência da evolução considerada para as zonas urbanas e para as zonas húmidas (com base nas taxas de crescimento historicamente registadas para estes usos do solo);
- que os solos com florestas, pastagens e matos contribuem sempre como fontes de sequestro, observando-se em todos os cenários uma tendência de crescimento da capacidade de sequestro face 2005 (106% no cenário FP, 578% no cenário PL e 675% no cenário CA), em consequência dos ganhos de área florestal e do aumento das áreas de pastagens melhoradoras (sobretudo nos cenários PL e CA);
- que os cenários Pelotão e Camisola Amarela são os únicos que garantem o aumento efetivo da capacidade de sequestro do subsetor “Floresta e outros usos de solo”, contribuindo deste modo para a neutralidade carbónica da economia portuguesa de forma mais significativa .
Levando em consideração as evoluções das variáveis setoriais correspondentes aos três cenários prospetivos analisados, pode-se concluir que:
- no cenário Fora de pista é de esperar uma diminuição abrupta da capacidade de sequestro global até 2050 (-145% face 2005 no setor LULUCF e +26% no subsetor Floresta e outros usos do solo), sendo que, apesar do setor ainda apresentar capacidade de sequestro, esta será insuficiente para neutralizar as emissões resultantes dos restantes setores da economia portuguesa;
- no cenário em Pelotão, o sequestro de CO2e do Setor LULUCF, até 2050, diminui -902% face 2005 (um aumento de 650% para o subsetor floresta e outros usos do solo), contribuindo assim o setor para um balanço tendencialmente neutro das emissões dos restantes setores económicos;
- no cenário Camisola Amarela, a capacidade de sequestro do setor LULUCF é bastante superior em 2050 (um aumento na capacidade de sequestro de 1056% face 2005), sendo que o subsetor floresta e outros usos regista igualmente um acréscimo da capacidade de sequestro de 751% face 2005, contribuindo ativamente para a neutralidade carbónica da economia portuguesa.
Na tabela e figura seguintes mostram-se os resultados globais do setor LULUCF – Usos do Solo e Floresta, com indicação dos subtotais referentes ao designado “Subsetor Floresta e Outros Usos do Solo”.
2.4 Impacto esperado do setor florestal português
As figuras seguintes pretendem ilustrar, à semelhança do que se mostrou na Figura 1, as tendências de evolução das emissões do subsetor florestal português (solos com floresta e matos) e do conjunto dos setores LULUCF e AFOLU, para cada cenário considerado.
Em cada cenário o impacto no setor florestal será necessariamente distinto, como resultado de tendências de evolução diferenciadas para as variáveis consideradas no exercício de modelação.
Assim, no cenário Fora de Pista, aquele em que a evolução das variáveis pressupõe taxas de crescimento semelhantes às verificadas historicamente, sendo que a floresta nacional prosseguirá com tendências de evolução semelhantes às registadas atualmente, o contributo do seu efeito sequestrador será tendencialmente decrescente até 2050. Este decréscimo na capacidade de sequestro deve-se sobretudo à diminuição da área de floresta, como consequência da grande incidência de incêndios florestais no território e à pouca iniciativa de gestão dos espaços florestais existentes, especialmente da recuperação das áreas ardidas. Como se pode observar na Figura 5, o contributo para o balanço tendencialmente neutro do setor LULUCF em 2050 deve-se também à manutenção das emissões associadas aos solos com agricultura e pastagens (dada a fraca consideração das pastagens biodiversas nestes solos) e aos outros usos do solo.
Nos cenários Pelotão e Camisola Amarela (Figura 6 e Figura 7, respetivamente) observa-se uma inversão da tendência “Fora de Pista” a partir de 2020, como consequência da aplicação de medidas de gestão ativa sobre os espaços florestais, resultando na inversão das tendências histórica associadas quer à evolução das áreas ardidas e como ao crescimento das áreas de floresta. Assim, os solos com Floresta e Matos tenderão a aumentar significativamente a sua capacidade de sequestro até 2050, garantindo assim a manutenção do papel sequestrados de todo o setor LULUCF. Do mesmo modo, também os solos com agricultura e pastagens (sobretudo os solos com pastagens) tenderão a contribuir para o sequestro do setor LULUCF a partir de 2030, como resultado de uma aposta clara na recuperação de pastagens pobres pela instalação de pastagens melhoradas biodiversas, com maior capacidade de sequestro.
Os resultados apresentados são assim esclarecedores: o impacto do setor florestal português na garantia da neutralidade carbónica da economia nacional é inquestionável! Só com uma aposta clara na resolução dos problemas associados à floresta portuguesa, que neste exercício de modelação foram bastante simplificados e se caracterizaram essencialmente pela diminuição da área ardida anual e pelo aumento da área florestal e dos níveis médios de produtividade associados, se conseguirão atingir as metas necessárias para o cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente no âmbito do Acordo de Paris.
3. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A evolução esperada para as variáveis setoriais em consequência dos fatores determinantes do comportamento e desenvolvimento do setor Floresta e Outros Usos do Solo (LULUCF) nas próximas décadas poderá vir a contribuir para um aumento, até 2050, da capacidade de sequestro de GEE no setor LULUCF – Florestas e Usos do Solo para -11,9 Mt CO2e no caso do cenário em Pelotão, e para -14,2 Mt CO2e no caso do cenário Camisola Amarela, correspondendo a variações de -902% e -1056% face os valores de 2005, para os cenários PL e CA, respetivamente.
Considerando apenas o Subsetor Floresta e Outros Usos do Solo, a capacidade de sequestro em 2050 será de -11,8 Mt CO2e no cenário Pelotão (650% face 2005) e de -13,4 Mt CO2e no cenário Camisola Amarela (751% face 2005). Considerando apenas os solos com Floresta e Matos, os valores de sequestro em 2050 serão de -14,6 Mt CO2e no cenário Pelotão e de -16,2 Mt CO2e no cenário Camisola Amarela.
A materialização deste aumento do potencial de sequestro da floresta nacional assenta em três vetores essenciais:
- A contenção do risco de incêndio e a redução das áreas ardidas;
- A profissionalização da gestão que permita maiores taxas de crescimento e o controlo do risco de incêndio;
- Um ambiente adequado ao investimento em novas áreas florestais e à regeneração ativa das áreas ardidas
A adoção por parte do setor florestal português de um conjunto de medidas de melhoria de gestão dos povoamentos será assim uma condicionante para a materialização dos resultados alcançados neste exercício de modelação, os quais irão resultar principalmente da implementação de um conjunto de tecnologias e de modelos de silvicultura que visem a melhoria:
- Das condições de instalação e de adaptabilidade dos povoamentos florestais aos territórios onde estes ocorrem;
- Da melhoria das condições de desenvolvimento dos povoamentos florestais com vista à otimização do seu potencial produtivo;
- Da vitalidade dos povoamentos florestais com funções de produção, mas também de proteção e de conservação;
As metas estabelecidas para o crescimento da floresta e para a diminuição dos riscos a ela associados (sobretudo do risco de incêndio) só serão alcançáveis com a implementação de medidas de coesão territorial e de efetivo ordenamento do território, capazes de garantir a sustentabilidade económica, ambiental e social da gestão florestal.
Do anteriormente exposto, pode-se concluir que uma contribuição significativa do Setor Florestal português para a descarbonização da economia nacional é possível mas vai depender, no essencial, de medidas de ordenamento do território e de incentivo ao investimento florestal, capazes de minimizar os riscos atualmente intrínsecos ao setor (sobretudo o risco de incêndio) e fomentando a implementação de tecnologias capazes de aumentar a capacidade produtiva dos povoamentos, com um impacto imediato no aumento da capacidade de sequestro das várias espécies.
De entre as várias tecnologias referidas e que atualmente já se verificam, destaca-se o elevado contributo que os programas de melhoramento genético têm vindo a contribuir para este objetivo, assim como a tecnologia relacionada com a aplicação de fertirrega em povoamentos florestais.
Para que tal venha a concretizar-se, será necessário, uma estratégia de desenvolvimento territorial integrado do setor florestal nos próximos anos baseada nas seguintes prioridades:
- Minimização da área ardida média anual;
- Incremento da área florestal nacional, pela reflorestação de áreas ardidas e incentivo à florestação ativa de áreas não florestais (sobretudo áreas de matos);
- Incremento da densidade de povoamentos atualmente existentes e em final de vida, ou seja, manutenção dos espaços florestais e garantia da sua vitalidade;
- Implementação de tecnologias de gestão dos povoamentos florestais com vista à obtenção de acréscimos de produtividade expressivos e economicamente rentáveis;
- Evolução do sistema de pagamentos diretos aos produtores florestais que privilegie em geral os apoios de natureza ambiental, climático e territorial, orientados prioritariamente para:
- Uma redução do risco de incêndio associado aos espaços florestais;
- Uma melhoria efetiva das condições de gestão dos povoamentos florestais;
- A sustentabilidade económica, ambiental e social dos espaços rurais.
Neste contexto, as medidas que garantam a sustentabilidade dos espaços florestais irão assumir um particular relevo na valorização económica, ambiental e social associada ao setor florestal.
Por fim, reforça-se a necessidade transversal de criação de novo conhecimento e da sua eficiente transferência, baseada numa rede de estações experimentais distribuídas no território nacional que através de uma investigação aplicada sejam capazes de promover o acesso por parte dos produtores florestais, assim como assegurar o respetivo apoio técnico.
Francisco Avillez – COORDENADOR CIENTÍFICO DA AGROGES
Nélia Aires – COORDENADORA DA ÁREA FLORESTAL
1 Esta equipa, que trabalhou em estreita colaboração com a APA, integrou, para além da AGRO.GES, a GET2C, a FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a Lasting Values e a J. Walter Thompsom Lisboa.
2 Disponível em http://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/
3 Disponível em https://apambiente.pt/_zdata/Inventario/May2019/NIR_global2019(UNFCCC).pdf
4 Uma unidade de CO2 equivale a uma unidade de CO2e, uma unidade de CH4 equivale a 25 de CO2e e uma unidade de N2O equivale a 298 de CO2e