INTRODUÇÃO
A viabilidade económica das explorações agrícolas portuguesas depende da produtividade dos respetivos fatores de produção e das transferências de rendimento geradas pelas medidas de política de que elas beneficiam.
Assim sendo, a sua viabilidade futura vai depender, não só da respetiva situação atual, como também da evolução que venha a ocorrer nos próximos anos no contexto, quer do sistema de preços relativos dos produtos e dos fatores de produção agrícolas, quer do sistema de pagamentos diretos aos produtores do 1º e do 2º Pilar da PAC, quer da respetiva produtividade económica e sustentabilidade ambiental.
A reforma da PAC para o período 2021-27, hoje em dia em discussão, abre um leque relativamente alargado de opções quanto à composição futura dos sistemas de pagamentos diretos aos produtores do 1º e do 2º Pilares e dos incentivos à gestão de riscos, à inovação e aos investimentos produtivos, que dada a sua importância atual irão ter certamente um impacto significativo sobre a viabilidade económica futura das explorações portuguesas.
Neste contexto, parece-nos ser importante que, na elaboração do Plano Estratégico para a PAC (PEPAC), se leve na devida consideração, não só a importância que os PDP (pagamentos diretos aos produtores) assumem na viabilidade atual das explorações agrícolas de Portugal Continental, como também a sua evolução no âmbito de diferentes cenários de reforma da PAC pós-2020.
Com o objetivo de contribuir para esta problemática iremos, neste artigo, debruçar-nos sobre a viabilidade económica atual das explorações agrícolas de Portugal Continental, deixando para mais tarde a abordagem da sua evolução futura.
1. Viabilidade económica atual das explorações agrícolas de Portugal Continental
As explorações agrícolas podem, do ponto de vista da respetiva viabilidade económica, serem separadas em dois grupos.
As explorações viáveis economicamente, que são aquelas cujas receitas brutas de exploração são capazes de remunerar a totalidade dos fatores de produção próprios e adquiridos por elas utilizados.
As explorações não-viáveis economicamente, que são aquelas cujas receitas brutas de exploração não são capazes de remunerar a totalidade dos fatores de produção próprios e adquiridos por elas utilizados.
O primeiro grupo pode ser dividido em duas categorias de explorações:
- as explorações agrícolas viáveis economicamente e competitivas, que são aquelas que são capazes de remunerar a totalidade dos fatores de produção próprios e adquiridos por elas utilizados, independentemente do valor dos PDP do 1º Pilar de que beneficiam;
- as explorações agrícolas viáveis economicamente, mas não competitivas, que são aquelas cujas receitas brutas de exploração dependem dos PDP do 1º Pilar de que beneficiam para serem capazes de remunerar a totalidade dos fatores de produção próprios e adquiridos por elas utilizados.
O segundo grupo de explorações também pode ser dividido em duas categorias de explorações:
- as explorações agrícolas não viáveis economicamente, mas financeiramente viáveis, que são aquelas que, apesar dos PDP do 1º e 2º Pilar de que beneficiam, só são capazes de gerar receitas brutas de exploração suficientes para pagar as respetivas despesas de exploração efetivas, não conseguindo, portanto, remunerar a totalidade dos correspondentes fatores de produção próprios por elas utilizados;
- as explorações agrícolas não viáveis económica e financeiramente, que são aquelas cujas receitas brutas de exploração obtidas por via dos mercados e dos PDP do 1º e 2º Pilares da PAC, não são, sequer, capazes de pagar a totalidade dos fatores de produção por elas adquiridos.
Para se proceder à classificação das explorações agrícolas de Portugal Continental do ponto de vista da respetiva viabilidade económica, recorreu-se a informação estatística disponibilizada pelo GPP que diz respeito a dados do IFAP e da RICA de 2017.
Com base nos dados do IFAP procedeu-se a uma identificação e caracterização de 2070 explorações-tipo, resultantes do cruzamento de 18 OTE, 5 classes de área e 23 regiões agrícolas, para cuja análise económica se recorreu aos dados disponíveis da RICA.
Da análise dos resultados obtidos para cada um dos dois grupos e quatro categorias de viabilidade económica identificados, podem-se retirar as seguintes principais conclusões quanto à importância atual das respetivas explorações (Quadro 1).
Primeiro, que as explorações agrícolas viáveis economicamente representavam, em 2017, apenas 17,6% do número total das explorações beneficiadas pelos PDP pagos pelo IFAP, mas correspondiam a 63,7% da respetiva SAU (superfície agrícola utilizada). Deste grupo de explorações, 59,8% do seu número e 56,7% da respetiva SAU correspondem a explorações competitivas e as restantes a não competitivas.
Segundo, que as explorações não viáveis economicamente representavam, em 2017, 82,4% do número total de explorações agrícolas de Portugal Continental beneficiadas pelos pagamentos do IFAP, mas, apenas, 36,3% da respetiva SAU.
A quase totalidade deste grupo de explorações (97,2% do número e 84,7% da SAU) não sendo viáveis economicamente geravam, no entanto, “cash-flows” positivos, ou seja, eram financeiramente viáveis. Significa isto que as explorações não viáveis quer económica, quer financeiramente, tinham, em 2017, uma expressão relativa diminuta no conjunto da totalidade das explorações beneficiadas pelos pagamentos do IFAP (2,3% do número total e de 5,6% da respetiva SAU).
Terceiro, que a manterem-se, ao longo da próxima década, os atuais sistemas de preços relativos agrícolas e de PDP da PAC, mais de 4/5 das explorações agrícolas em causa e de 1/3 da respetiva SAU, dizem respeito a explorações que só conseguirão sobreviver economicamente se ocorrerem mudanças nos respetivos sistemas e tecnologia de produção capazes de assegurar ganhos significativos de competitividade e/ou de sustentabilidade, mudanças essas que, em minha opinião, irão implicar uma alteração significativa na atual composição do sistema de PDP do 1º e 2º Pilares da PAC.
2. Contribuição dos PDP do 1º e do 2º Pilares da PAC para a viabilidade económica atual das explorações agrícolas de Portugal Continental
Do anteriormente exposto pode-se concluir que os PDP em vigor assumem uma enorme importância para a viabilidade económica das explorações agrícolas de Portugal Continental.
A análise da distribuição dos montantes afetos aos PDP do 1º do 2º Pilares da PAC permite-nos verificar que a sua distribuição pelas diferentes categorias de viabilidade económica é praticamente idêntica à distribuição da respetiva SAU (Quadro 2), o que é, em nossa opinião, consequência da adoção por parte de Portugal de um modelo histórico de atribuição dos pagamentos base (PB) e do “greening” (Gr) a qual só parcialmente foi compensada pela distribuição das medidas agroambientais (MAA) e das medidas de apoio às zonas desfavorecidas (MZD).
Da análise dos valores que, em 2017, foram pagos por exploração nas diferentes categorias de viabilidade económica em causa, pode-se concluir que estes foram muito mais elevados para as duas categorias do grupo das explorações viáveis economicamente e para os PDP do 1º Pilar em particular (Quadro 3). Tais diferenças refletem, no essencial, a maior importância dos montantes afetos aos PDP do 1º Pilar e, uma vez que os PDP por hectare são relativamente semelhantes entre as diferentes explorações, a maior dimensão física daquelas que são viáveis economicamente.
Da análise da importância relativa dos PDP do 1º Pilar no contexto das explorações agrícolas pertencentes às diferentes categorias de viabilidade económica pode-se verificar que existem algumas diferenças no que diz respeito aos valores assumidos, em 2017, pelo pagamento base, o “greening” e os pagamentos ligados à produção que são desfavoráveis às explorações agrícolas não viáveis economicamente e aos outros tipos de PDP do 1º Pilar que as favorecem (Quadro 4).
No que diz respeito aos PDP do 2º Pilar, a sua distribuição, em 2017, diferencia claramente as duas categorias de explorações agrícolas que integram o grupo das viáveis economicamente que beneficiam maioritariamente do conjunto das MAA, das outras duas categorias de viabilidade em que são dominantes as MZD (Quadro 5).
Importa sublinhar que as MAA correspondentes ao modo de produção integrado (PRODI) e ao modo de produção biológico (MPB) representavam em 2017 quase 2/3 da totalidade do orçamento atribuído a este tipo de PDP do 2º Pilar e a mais de ¾ da respetiva SAU.
Recorrendo aos dados da RICA como complemento dos dados do IFAP, foi possível proceder ao cálculo dos resultados económicos médios para o ano de 2017 das explorações agrícolas pertencentes às diferentes categorias de viabilidade, com quais se pode concluir, que (Quadro 6):
- o rendimento dos fatores (RF) por exploração agrícola foi muito mais elevado nas explorações viáveis e competitivas do que nas outras, valor este que apresentou um resultado negativo nas explorações não viáveis;
- apenas, no caso de explorações viáveis e competitivas é que o respetivo RF resulta predominantemente do respetivo valor acrescentado líquido a preços no produtor (VAL Pprod), ou seja, da respetiva produtividade económica;
- a dependência das transferências de rendimento geradas pelos PDP é muito significativa para as explorações de quase todas as categorias de viabilidade em causa, com exceção para as competitivas.
3. Conclusões
Do anteriormente exposto, parece-nos ser de realçar os seguintes aspetos.
Primeiro, que no seu conjunto os PDP em vigor na PAC assumem uma importância muito significativa para a viabilidade económica das explorações agrícolas, a qual é mesmo decisiva para a sobrevivência da maioria das explorações portuguesas, uma vez que cerca de 4/5 do número total das explorações agrícolas de Portugal Continental beneficiárias do IFAP eram, em 2017, não viáveis economicamente, se bem que a maioria das quais apresentava viabilidade financeira.
Segundo, que a sua repartição é bastante pouco equitativa, favorecendo não só as explorações de maior dimensão como, principalmente, aquelas que apresentam maior viabilidade económica e competitividade.
Terceiro, que a importância assumida pelos PDP do 2º Pilar é bastante variável, sendo indispensável que no futuro se venha a analisar de forma mais aprofundada o seu efetivo impacto ambiental e territorial.
Quarto, as propostas de discussão no âmbito da Reforma da PAC para o período 2021-27 poderão vir a permitir alterações significativas na composição do sistema de pagamentos diretos em vigor, cujos impactos sobre a viabilidade futura das explorações agrícolas de Portugal Continental iremos abordar num próximo artigo.
Francisco Avillez – COORDENADOR CIENTÍFICO DA AGROGES
Manuela Nina Jorge – DIRECTORA FINANCEIRA
Gonçalo Vale – COLABORADOR TÉCNICO