Os principais atributos da atividade, os motivos e os melhores métodos para a sua promoção
Os sistemas de produção de pecuária extensiva do sul da Europa têm um importantíssimo valor ambiental, económico e social. No entanto, esta é uma realidade que quem habita o restante território europeu parece desconhecer por completo. Em Portugal, mesmo os portugueses, na sua maioria, os que vivem em meio urbano, parecem desconhecer completamente a extensa área do território de que falamos, apenas guardando dela um conjunto de ideias românticas e estáticas que herdaram de uns antepassados.
Pois bem, é altura de os atores que se movem no meio rural – produtores, prestadores de serviços, caçadores e demais participantes das economias agrícola e não agrícola em meio rural – se debruçarem sobre este problema e tentarem aproximar os cidadãos urbanos do campo. São demasiado comuns as acusações dos “rurais” de que os “urbanos” não entendem o campo e só sabem repetir chavões desinformados sobre os malefícios da agricultura. Assim como o são as acusações dos “urbanos” de que os “rurais” são uns brutos que maltratam os animais e o ambiente, e que produzem alimentos envenenados em troca de um lucro rápido e fácil. Não são só demasiadas, são, na minha opinião, perigosas sociologicamente, apenas contribuindo para a divisão entre o campo e a cidade, com potenciais consequências graves.
Assim, justifica-se que sejam promovidos os sistemas do extensivo junto da população citadina, não só em Portugal como ao nível europeu. Mas esta justificação não se esgota nos motivos sociológicos descritos. Ela é também fortemente ambiental e económica – os custos da não existência da pecuária nos sistemas agroflorestais que existem nas zonas de que falamos são altíssimos, no inevitável aumento de incêndios pelo abandono e eliminação da presença animal, na redução do rendimento disponível das populações e pelo aumento do custo de manutenção dos serviços públicos.
A solução para este grave problema passa pela promoção dos sistemas de pecuária extensiva que são a base dos modelos de produção agroflorestal que predominam em Portugal. Esta promoção deve-se destinar aos consumidores em países europeus de fora da bacia do Mediterrâneo e às grandes áreas metropolitanas destes últimos. Assim, procurar-se-á mostrar aos grandes centros de consumo que a produção pecuária extensiva não é um fardo para o ambiente e para a saúde, sendo mesmo uma mais-valia. Assim, cumpre-se o objetivo de estreitar o fosso entre os “rurais” e os “urbanos” com claro benefício para todos. Mais, o cidadão urbano passa a estar mais integrado no mundo rural, porque passa a ser um consumidor consciente.
Mas como se faz essa promoção e quais são os atributos a promover? São de diversa ordem:
- Ambiental – se o consumidor alemão souber que a pecuária extensiva portuguesa sustenta um sistema agroflorestal “desconhecido”, chamado montado, onde a biodiversidade é elevadíssima, onde o sequestro do carbono é superior às emissões e onde tudo isso está em risco se a terra for abandonada a não ser para colher pinha, cortiça e madeira, reduzindo o controlo de matos e aumentando fortemente o risco de incêndio, será que não preferirá essa carne? Mais, não preferirá comprar essa carne na UE em vez de a comprar na América ou na Oceânia, evitando emitir milhares de toneladas de CO2 anualmente?
- Social – se o consumidor lisboeta souber que comprando desta carne promove o combate ao abandono rural, mantendo vivas as paisagens do Alto Alentejo onde gosta de ir passar fins-de-semana de Outono e preservando a floresta que atravessa para ir até à costa alentejana no Verão, não preferirá esses produtos?
- Alimentar – se o consumidor holandês souber que está a comprar carne realmente alimentada a pastagem e rações de cereais, sem uso de antibióticos como promotores de crescimento e sem quaisquer hormonas a não ser as que o próprio animal se encarrega de produzir naturalmente, não ficará mais imune a documentários e artigos sensacionalistas (que afirmam sem qualquer dúvida que a pecuária é toda um veneno para as pessoas e para o planeta) do que não conhecendo o nosso sistema de produção e o nosso regime climático?
E como se organiza a promoção destes atributos junto do consumidor? O caminho é difícil! É difícil porque passa pela organização da produção para uniformizar o produto e criar estruturas de promoção eficientes (e caras!).
É difícil também porque há trabalho a fazer dentro de casa para além da promoção em meio urbano. As explorações têm um longo caminho a percorrer nos ganhos de eficiência, na manutenção de sistemas extensivos ao mesmo tempo que melhoram o seu maneio alimentar, reprodutivo e sanitário.
É difícil ainda porque obriga à criação de certificação. Esta certificação será a chave, mas a sua conceção pode ser traiçoeira. A tentação será a de imitar o que se faz noutros lados e criar uma certificação do tipo “grass fed”, cuja nomenclatura não encaixa bem no que se faz na bacia do mediterrâneo. Por motivos climáticos, é impossível ter uma exploração eficiente apenas com base na pastagem, na grande maioria da bacia do Mediterrâneo: apenas fornecer erva seca aos animais durante um período de três ou mais meses por ano é má estratégia alimentar, o que resulta em fraca fertilidade dos efetivos e pior estado sanitário do animal. Assim, o desenvolvimento deste sistema de certificação tem de ser adequado ao que aqui se passa. Tem de certificar que os animais são produzidos em sistemas extensivos, alimentados maioritariamente na pastagem, mas complementados com alimentos compostos à base de cereais ou com forragens. Tem de conseguir definir bem o que é o sistema extensivo: caracterizado por baixos encabeçamentos (o que permite uma convivência com a componente florestal, mantendo ainda o controlo de matos); que tipicamente utilizam áreas grandes de sequeiro e pequenas ou nenhumas de regadio; em que os dejetos dos animais são depositados nessas grandes áreas, mas que pela sua baixa intensidade e pelos regimes hídricos mais secos que no Norte da Europa, isso não polui aquíferos e solos, pelo contrário entra na dinâmica natural do solo; que não é o que se define como extensificação nos regimes tropicais1.
Mas se é tão difícil, porque é que os produtores pecuários portugueses haveriam de o fazer? Por dois motivos principais:
- Porque o mercado o vai exigir no médio prazo;
- Porque estamos num momento favorável e é nessas alturas que se toma medidas estruturantes para depois não andar a “correr atrás do prejuízo”.
O mercado vai-nos obrigar porque cada vez há mais probabilidades de que haja novos acordos económicos que reduzam barreiras à entrada de carne na EU. Para além disso, as nossas exportações, que têm extravasado o tradicional mercado de Espanha, pelo envio de animais (bovinos e ovinos) de barco para o Magreb e Israel. Mas estes novos mercados encontram-se em zonas do mundo em que o risco de instabilidade pode ser um problema. Finalmente, os hábitos alimentares também são um fator crítico. De acordo com um estudo da NIELSEN, em 2016, 5% da população europeia afirma ser vegetariana e 2% vegan, para além de mais 5% que afirma ser “flexitariano” (i.e. hábitos maioritariamente vegetarianos mas com consumo esporádico de produtos de origem animal). Neste contexto, a diferenciação e a promoção das qualidades associadas a este tipo específico de carne serão também “obrigatórias”.
Estamos num momento favorável porque as fileiras das principais espécies exploradas em regime extensivo em Portugal se encontram em momentos de boa performance2 – bovinos e ovinos por via da forte procura de animais vivos para exportação e suínos por via dos bons preços a que se valorizam os animais para produção de presunto serrano. Nestas condições é muito mais indicado procurar antecipar tendências e criar condições mais favoráveis para o futuro, do que tentar colher resultados de curto prazo e correr o risco de, em alturas piores não ter aberto os canais de escoamento para os maiores centros de consumo dentro do maior mercado agroalimentar do mundo, a Europa.
Parece-me então que o grande problema socioeconómico que assola o nosso interior e que motiva as preocupações descritas, pode ser combatido criando uma estratégia de maior resiliência para os sistemas de pecuária extensivos, típicos dessas regiões, ao mesmo tempo que se criam novas oportunidades de crescimento (ainda que maioritariamente em valor). Assim, em vez de se tentar resolver a desertificação do interior com medidas mitigadoras, poderíamos estar efetivamente a criar oportunidades de valorização de uma larga extensão do território, da sua economia e das suas gentes.
Miguel Vieira Lopes – COLABORADOR TÉCNICO
1 Quando se fala de extensificação nas áreas florestais de regimes tropicais, fala-se um sistema ancestral de produção com base na ideia de que solos férteis se encontram em áreas florestais antigas e que a queima da floresta promove a rápida nitrificação da muita matéria orgânica que aí se encontra, disponibilizando azoto para culturas agrícolas a instalar. Este sistema, cada vez menos utilizado mundialmente, traz fortes problemas ambientais, pela eliminação de grandes áreas de floresta e libertação de grandes quantidades de dióxido de carbono, sendo o exemplo mais famoso o da desflorestação da Amazónia para instalação de pastagens e campos agrícolas. A ideia de intensificação para combater a esta extensificação, leva a que, em muitos meios não se entenda bem o que queremos dizer com sistema de pecuária extensiva no contexto europeu, que, claro, nada tem a ver com o que se acaba de descrever.
2 Segundo o INE, em 2018, as exportações de animais vivos cresceram cerca de 10% em valor em relação a 2017, sendo que as exportações de carnes e miudezas apenas decresceram 3,3% em valor. A soma das duas tipologias de produtos registou um crescimento de 2,8% face ao ano anterior.