O contributo da agricultura nacional para uma possível descarbonização da economia
1. Introdução
Acaba de ser publicada a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 107/2019 que aprova o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050).
O RNC 2050 foi mandado elaborar pelo Governo Português como apoio ao compromisso por ele assumido em 2016, de atingir até 2050 a neutralidade carbónica, de modo a contribuir para os objetivos definidos em 2015 no âmbito do Acordo de Paris.
O objetivo visado pelo RNC 2050 é o de “explorar a viabilidade de trajetórias que conduzam à neutralidade carbónica, de identificar os principais vetores de descarbonização e de estimar o potencial de redução dos vários sectores da economia nacional, como sejam a indústria, a mobilidade e os transportes, a agricultura, as florestas e outros usos dos solos, os resíduos e as águas residuais” (RCM n.º 107/2019).
A AGRO.GES fez parte da equipa técnica1 responsável pela elaboração do RNC 2050, no âmbito do qual ficou encarregue dos sectores da agricultura, floresta e outros usos dos solos.
Os relatórios técnicos elaborados pela AGRO.GES vêm apresentados de forma resumida no Anexo do RCM em causa e as suas versões completas irão ser, dentro em breve, disponibilizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Pareceu-nos, no entanto, justificar-se a elaboração deste artigo que visa a apresentação do contributo que o sector agrícola português poderá vir a ter para a descarbonização da economia portuguesa ao longo das próximas décadas, análise esta que irá ser apresentada de acordo com os seguintes aspetos:
- a contribuição atual do sector agrícola português para as emissões de GEE;
- as trajetórias de emissões de sequestro de GEE previstas para as próximas três décadas;
- as principais medidas mitigadoras e sequestradoras preconizadas e respetivas implicações de natureza política.
Em breve procedemos à elaboração de um artigo semelhante em relação ao contributo da AGRO.GES no âmbito do sector florestal nacional.
2. As emissões de GEE pelo sector agrícola português em 2016
De acordo com os dados do National Inventory Report (NIR)2 elaborado anualmente pela APA, em 2016 as emissões líquidas de GEE do sector agrícola português atingiram 7,7 Mt CO2e/ano, que resultam das áreas ocupadas pelas culturas temporárias e permanentes e dos efetivos pecuários, assim como das respetivas produções vegetais e animais (6,8 Mt CO2e/ano) e das áreas ocupadas pelas pastagens permanentes e outros usos dos solos agrícolas (0,9 Mt CO2e/ano).
As 6,8 Mt CO2e/ano emitidas pelas atividades de produção vegetal e animal referidas correspondem a emissões de metano (CH4), de oxido nitroso (N2O) e de dióxido de carbono (CO2), que representam, respetivamente, cerca de 66, 33 e 1% da totalidade dos GEE por elas emitidos. Os 0,9 Mt CO2e/ano correspondem a emissões líquidas de CO2 resultantes das pastagens permanentes e das alterações no uso dos solos agrícolas.3
As emissões de CH4, que atingiram em 2016 cerca de 4,5 Mt CO2e/ano, tiveram origem na fermentação entérica (79,6%), nos efluentes dos animais (16,5%) e na queima de resíduos agrícolas (0,8%).
As emissões de N2O que em 2016 atingiram cerca de 2,3 Mt CO2e/ano, tiveram origem na gestão dos efluentes pecuários (7,5%), nas emissões diretas e indiretas dos solos agrícolas (91,6%) e na queima dos resíduos agrícolas (0,9%).
As emissões líquidas de CO2 por parte do sector agrícola têm origem em três tipos de fontes diferentes: as aplicações de ureia e de corretivos calcários, as áreas ocupadas por pastagens permanentes e as com alterações no uso dos solos agrícolas e o consumo de energias não renováveis por parte das máquinas e dos equipamentos agrícolas. Como este terceiro tipo de emissões são contabilizadas, pelo NIR, no sector da energia, as emissões líquidas de CO2 pelo sector agrícola correspondem apenas a um valor de 0,97 Mt CO2e/ano, dos quais 0,07 Mt CO2e/ano dizem respeito às aplicações de ureia e corretivos calcários e os restantes 0,9 Mt CO2e/ano às emissões líquidas com origem nas pastagens permanentes e nas alterações no uso dos solos agrícolas.
Importa, neste contexto, sublinhar que, em 2016, a grande maioria das emissões tiveram origem no conjunto do sector animal (5,7 Mt CO2e/ano) e, em particular, nos bovinos (4 Mt CO2e/ano), cujas fontes de emissão foram:
- a fermentação entérica (53%);
- os sistemas de gestão de efluentes (13%);
- a aplicação de efluentes pecuários nos solos (4%);
- a deposição direta da excreta no solo durante o pastoreio (14%).
3. As trajetórias das emissões líquidas de GEE: Cenários socioeconómicos, tendências de evolução sectorial e medidas descarbonizadoras
3.1 Cenários socioeconómicos
O estabelecimento de trajetórias alternativas de emissões e sequestro de GEE para a economia portuguesa nas próximas décadas, teve subjacente a definição de diferentes cenários socioeconómicos.
Foram três os cenários socioeconómicos (Fora de Pista, Em Pelotão e Camisola Amarela) definidos pela equipa responsável pela elaboração do RNC 2050 e devidamente validados por diferentes instituições consultadas para o efeito.
É deles que decorre um conjunto de grandes tendências de evolução da sociedade e da economia portuguesa e do respetivo contexto internacional, as quais estão subjacentes ao exercício de cenarização realizado pelas equipas responsáveis pelos diferentes setores em geral e pelo setor agrícola português em particular.
São cinco os principais fatores que se considera que irão ter uma influência determinante na evolução, ao longo das próximas décadas, da agricultura portuguesa e da sua contribuição para a descarbonização da economia nacional, com base nos quais se procedeu a uma caracterização dos três diferentes cenários prospetivos para o setor agrícola português.
Um primeiro fator diz respeito à abertura da agricultura da UE aos mercados agrícolas internacionais, cujo ritmo e amplitude irá depender dos compromissos que venham a ser negociados no contexto dos acordos bilaterais e multilaterais da OMC.
Um segundo fator está relacionado com a evolução da procura de bens alimentares em Portugal, que irá depender, no essencial, não só da evolução quantitativa e etária da população portuguesa, mas também da respetiva dieta alimentar.
Um terceiro fator diz respeito ao tipo de medidas que venham a ser tomadas na UE e em Portugal no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC), com particular relevo para a forma como vier a evoluir a composição do sistema de pagamentos diretos aos produtores do 1º e do 2º Pilar.
Um quarto fator está relacionado com o ritmo e a natureza do crescimento futuro da produtividade dos fatores de produção agrícola, o qual irá estar, no essencial, associado com o tipo de modelo tecnológico agrícola que venha a ser difundido.
Um quinto e último fator diz respeito ao ritmo de difusão futura das principais medidas descarbonizadoras que venham a ser adotadas.
O Cenário Fora de Pista (FP) definido pela AGRO.GES para o sector agrícola nacional é um cenário de referência que reflete, no essencial, as tendências de evolução verificadas para a agricultura portuguesa na última década, em relação a cada um dos cinco fatores em causa.O Cenário em Pelotão (P) definido pela AGRO.GES procura refletir:
- uma abertura dos mercados agrícola da UE maior do que na última década que, no entanto, não põe em causa as taxas de proteção nominal ainda em vigor em relação a alguns produtos agrícolas;
- uma evolução da procura de bens alimentares por parte da população portuguesa caracterizada por uma alteração moderada da respetiva dieta alimentar, favorável aos produtos de origem vegetal e biológicos;
- a manutenção da composição do sistema de pagamentos aos produtores do 1º Pilar, mas com algumas mudanças decorrentes das propostas de reforma da PAC pós-2020;
- um crescimento moderado da produtividade dos fatores de produção agrícola resultantes de uma melhoria da eficiência no uso dos fatores intermédios de produção;
- um ritmo moderado de difusão das tecnologias e práticas agrícolas descarbonizadoras.
O cenário Camisola Amarela (CA) definido pela AGRO.GES, caracteriza-se por:
- uma maior abertura dos mercados agrícolas da UE, com o desmantelamento após 2030 das proteções tarifárias em vigor ao ano 2016 (carne de bovinos e de frangos);
- uma mudança mais significativa na composição da procura de bens alimentares, baseada numa crescente substituição dos produtos de origem animal em geral e das carnes vermelhas em particular;
- uma profunda alteração, após 2030, da composição dos sistemas de pagamentos diretos aos produtores com uma gradual mas sistemática substituição dos apoios aos rendimentos e à produção por medidas de gestão de risco e de estabilização de rendimentos e por apoios de natureza ambiental, climática e territorial;
- um crescimento acentuado da produtividade dos fatores de produção agrícolas, alcançado predominantemente pelo aumento da eficiência no uso dos fatores intermédios de produção e baseado na expansão de um modelo de intensificação tecnológica sustentável;
- um ritmo mais acentuado de difusão das tecnologias descarbonizadoras e de promoção da circularidade potenciado pela difusão do modelo de intensificação tecnológico setorial em causa.
3.2 Tendências de evolução futura do sector agrícola português
Levando em consideração os pressupostos base apresentados, procedeu-se ao estabelecimento das tendências de evolução dos sectores vegetal e animal e das respetivas variáveis para cada um dos cenários em causa.
3.2.1 Cenário Fora de Pista (FP)
No que diz respeito ao Cenário Fora de Pista (FP) são as seguintes as principais tendências de evolução do setor agrícola nas próximas décadas:
- estabilização da superfície agrícola cultivada na dimensão atingida nos últimos anos;
- evolução até 2030 das áreas ocupadas pelas principais culturas agrícolas de acordo com as principais tendências da última década e sua posterior estabilização, caracterizada no essencial por:
- redução da área ocupada por cereais de sequeiro e regadio;
- aumento das áreas ocupadas por hortícolas e culturas permanentes de regadio;
- evolução positiva das áreas ocupadas por culturas forrageiras temporárias;
- evolução até 2030 dos efetivos animais, de acordo com as principais tendências da última década e sua posterior estabilização, caracterizada, no essencial, por:
- redução dos efetivos de bovinos leiteiros e de ovinos e caprinos;
- aumento dos efetivos de bovinos de carne e de suínos;
- manutenção do efetivo de aves.
Da Tabela 1 constam os valores agregados das principais variáveis sectoriais para o cenário Fora de Pista, assim como as respetivas variações das últimas décadas.
3.2.2 Cenário em Pelotão (P)
No que se refere ao Cenário em Pelotão (P) as tendências setoriais caracterizam-se do seguinte modo:
- aumento da superfície agrícola irrigável em cerca de 15% em consequência do Programa Nacional de Regadios 2017-22 e de outros projetos atualmente em estudo, e sua estabilização futura;
- evolução das áreas ocupadas pelas principais culturas agrícolas refletindo, até 2030, as principais tendências de evolução da última década, e uma sua posterior estabilização, à exceção do trigo e outros cereais que irão beneficiar da implementação da Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais. Esta evolução é caracterizada, no essencial, por:
- um aumento das áreas ocupadas pelos cereais de sequeiro e regadio, acompanhado por um aumento das respetivas produtividades, de acordo com os objetivos fixados na respetiva Estratégia, cuja concretização irá, no entanto, depender de uma aplicação efetiva dos apoios e incentivos nela previsto;
- uma redução das áreas ocupadas por hortícolas e um ligeiro aumento das culturas permanentes de regadio acompanhadas por ganhos de produtividade nos frutos de casca rija;
- uma evolução ligeiramente negativa das áreas ocupadas pelas culturas forrageiras temporárias e pelas pastagens permanentes;
- uma maior eficiência na utilização dos fatores intermédios de produção em geral e dos fertilizantes em particular, acompanhada por uma expansão moderada das tecnologias e práticas agrícolas associadas com a agricultura de precisão, a agricultura de conservação (ou regenerativa), pastagens permanentes ricas em leguminosas e pelo modo de produção biológico;
- uma redução do efetivo leiteiro resultante:
- de uma tendência decrescente na procura interna de leite e de lacticínios;
- da perda de viabilidade económica das explorações especializadas na produção de leite de vaca em consequência do processo de convergência interna dos pagamentos diretos aos produtores do 1º Pilar proposto pela CE para a PAC pós-2020, em parte compensada por ganhos médios de produtividade;
- uma evolução do efetivo de bovinos de carne caracterizada pela manutenção dos efetivos pertencentes às explorações de produção de carne extensivas e mistas e por uma redução dos efetivos das explorações baseadas em sistemas de produção intensivos, resultantes:
- da manutenção dos prémios às vacas aleitantes e das proteções tarifárias em vigor;
- da melhoria dos apoios ao rendimento nos sistemas extensivos e mistos e penalização dos sistemas intensivos, decorrentes do processo de convergência interna proposto pela CE para a PAC pós 2020;
- do reforço dos apoios à expansão de sistemas de pecuária extensiva carbonicamente neutros;
- da estabilização das exportações de bovinos vivos;
- um aumento dos efetivos de ovinos e caprinos, em consequência do aumento de apoios aos respetivos sistemas de produção associados com a sua função na prevenção de incêndios rurais;
- uma manutenção das tendências de evolução dos últimos dez anos para os efetivos de suínos e de aves;
- uma maior eficiência na utilização dos fatores intermédios de produção, associados a uma expansão moderada da zootecnia de precisão e com uma melhoria da digestibilidade da alimentação animal, uma maior eficiência na gestão dos efluentes e uma expansão das pastagens permanentes ricas em leguminosas.
Das Tabelas 2 e 3 constam as previsões quanto à evolução das principais variáveis setoriais relativas à produção vegetal e animal do cenário em Pelotão, assim como as respetivas variações das últimas décadas.
3.2.3 Cenário Camisola Amarela (CA)
As tendências de evolução setorial no âmbito do cenário Camisola Amarela são as seguintes:
- evolução, até 2030, idêntica à do P, quer das superfícies cultivada e irrigável, quer da área dos diferentes tipos de culturas;
- alterações, após 2030, na composição da superfície agrícola cultivada, resultantes no essencial de:
- Uma redução das áreas ocupadas pelos cereais de sequeiro e regadio, acompanhados por ganhos de produtividade;
- Um aumento das áreas ocupadas por hortícolas e culturas permanentes de regadio e das respetivas produtividades;
- Uma redução mais significativa das áreas ocupadas quer por culturas forrageiras temporárias quer por pastagens permanentes, resultante da redução do efetivo animal, do aumento da produtividade das pastagens semeadas, do adensamento dos montados e da degradação das pastagens mais pobres por ação das alterações climáticas
- ganhos crescentes de eficiência no uso dos fatores intermédios em geral e dos fertilizantes em particular, assim como um aumento significativo das áreas ocupadas pelas agriculturas de precisão, de conservação e do modo de produção biológico e pelas pastagens permanentes ricas em leguminosas;
- redução do efetivo leiteiro idêntica à do P até 2030, e mais acentuada após 2030, resultante:
- da continuação da uma tendência decrescente na procura interna de leite e lacticínios e de um aumento da concorrência com origem na UE;
- de uma mudança gradual mas completa na composição do sistema de pagamentos diretos aos produtores do 1º e 2º Pilares baseada numa substituição dos apoios ao rendimento e à produção em vigor por apoios predominantemente orientados para a promoção do ambiente, ao combate às alterações climáticas e à coesão económica e social dos territórios rurais.
- uma redução do efetivo de bovinos de carne, até 2030, idêntica à do P e mais acentuada após 2030, resultante de:
- um desmantelamento total das proteções tarifárias da UE em relação às importações de carne de bovinos, que, em 2016, ainda beneficiam de uma taxa de proteção nominal de 25%;
- uma procura alimentar interna cada vez mais orientada para os produtos de origem vegetal e para as carnes brancas;
- uma reorientação gradual mas completa dos apoios ao rendimento e à produção para medidas de natureza ambiental, climática e territorial que, assegurando a manutenção da quase totalidade do efetivo pertencente às explorações de pecuária extensiva, irá determinar uma redução significativa nos efetivos de bovinos de carne pertencentes às respetivas explorações de pecuária intensiva e mistas;
- uma manutenção da tendência de aumento dos efetivos de pequenos ruminantes decorrentes dos apoios que lhe continuarão a ser atribuídos pela sua função na prevenção de incêndios rurais;
- uma evolução do efetivo suíno de acordo com as tendências do passado recente, consequência da sua capacidade de penetrar em mercados externos;
- uma tendência decrescente do efetivo de aves para produção de carne, em consequência do desmantelamento, após 2030, das respetivas proteções tarifárias que correspondem, hoje em dia, a uma taxa de proteção nominal da carne de frangos da ordem dos 20%;
- um ritmo crescente de difusão da zootecnia de precisão em geral e das medidas mitigadoras e sequestradoras associadas, quer com a alimentação animal, quer com a gestão de efluentes, quer, ainda, com as pastagens permanentes.
Das Tabelas 4 e 5 constam as previsões quanto à evolução das principais variáveis setoriais relativas à produção vegetal e animal do cenário Camisola Amarela, assim como as respetivas variações das últimas décadas.
A quantificação da evolução das principais variáveis setoriais dos setores vegetal e animal de cada um dos cenários em causa, resultou de um conjunto de “educated guesses” baseado, quer nas respetivas tendências de evolução nas últimas décadas, quer na viabilidade económica no ano 2016 dos principais sistemas de produção agrícola nacionais.
3.3 Medidas descarbonizadoras
No que diz respeito aos diferentes tipos de medidas descarbonizadoras preconizadas procedeu-se, previamente, à sua identificação e caracterização.
Foram os seguintes os três tipos de medidas descarbonizadoras e de promoção da circularidade levadas em consideração na elaboração da componente agrícola do RNC 2050:
- as medidas mitigadoras, associadas com a eficiência da alimentação animal, com a gestão dos efluentes pecuários e com a agricultura de precisão;
- as medidas sequestradoras, associadas com a agricultura de conservação (ou regenerativa) e com as pastagens melhoradoras;
- as medidas de promoção da circularidade relacionadas com o modo de produção biológico, com as tecnologias de precisão e com a compostagem.
3.3.1 Melhor eficiência alimentar
No que diz respeito à melhoria da digestibilidade da alimentação animal analisaram-se separadamente as reduções de emissões alcançáveis para as principais diferentes espécies pecuárias.
No caso dos bovinos de leite levaram-se em consideração na análise das reduções das emissões de GEE alcançáveis no futuro, os seguintes aspetos:
- aumento do teor de concentrado na dieta;
- redução do teor de proteína bruta da dieta;
- aumento do teor de gordura da dieta;
- utilização de aditivos alimentares;
- melhorias de produtividade por via genética.
No caso dos bovinos de carne, o aspeto mais relevante considerado neste âmbito, foi a melhoria da qualidade das culturas forrageiras temporárias e permanentes.
No caso dos suínos, foi levado em consideração na estimativa das reduções de emissões de GEE alcançáveis pela melhoria da digestibilidade da respetiva alimentação, a redução do teor de proteína bruta da dieta.
A utilização de aditivos alimentares e os seus potenciais efeitos foram posteriormente sujeitos a uma análise de sensibilidade.
3.3.2 Gestão mais eficiente dos efluentes pecuários
Em relação à gestão dos efluentes pecuários foram diversos os aspetos que se procurou levar em consideração no cálculo das respetivas reduções de emissões de GEE.
No caso dos bovinos de leite, para além dos aspetos relacionados com os sistemas de armazenamento de efluentes (lagoas ou tanques) e à forma como se procede à posterior valorização do seu conteúdo, foram identificadas e caracterizadas outras possíveis reduções relacionadas, quer com o tipo de alojamento, quer com a aplicação de aditivos ao chorume (inibidores de urease e de nitrificação).
No caso dos suínos, para além dos aspetos relacionados com os sistemas de armazenamento de efluentes (lagoas ou tanques) e à forma como se procede à posterior valorização do seu conteúdo, foram identificadas e caracterizadas outras possíveis reduções relacionadas, quer com o tipo de alojamento (controlo do clima interno e tipo de piso), quer com o tratamento do chorume (frequência da remoção, limpeza das superfícies e separação do chorume e da água).
Dada a dificuldade de obtenção de informação adequada, levou-se em consideração no âmbito da gestão de efluentes, apenas as reduções alcançáveis no contexto dos sistemas de armazenamento de efluentes, cuja informação de base existe e consta do modelo de contabilização de emissões do NIR.
3.3.3 Agricultura de precisão
No que diz respeito à agricultura de precisão, o tipo de medida mitigadora considerada foi baseado na chamada Variable Rate Technology (VRT).
A VRT é uma tecnologia utilizada no âmbito da Agricultura de Precisão que permite avaliar as variações de produtividade verificadas nas diferentes manchas dos solos cultivadas, possibilitando, assim, a aplicação de diferentes quantidades de fertilizantes de acordo com as respetivas necessidades.
São três os níveis tecnológicos correspondentes a esta tecnologia, os quais estão associados com a adoção por parte dos agricultores das seguintes componentes:
- nível tecnológico 1: instalação de sensores e de estações meteorológicas;
- nível tecnológico 2: instalação de sensores e de estações meteorológicas e produção de cartografia;
- nível tecnológico 3: instalação de sensores e de estações meteorológicas, produção de cartografia e utilização de software de gestão (débito variável).
De acordo com os especialistas, a utilização da VRT vai permitir uma redução no uso dos fertilizantes sintéticos que varia, em média, de acordo com os níveis tecnológicos em causa:
- nível tecnológico 1: -5 kg N/ha/ano
- nível tecnológico 2: -10 kg N/ha/ano
- nível tecnológico 3: -20 kg N/ha/ano
Nos cálculos por nós realizados quanto às reduções das emissões de GEE associadas com a utilização da VRT, baseámo-nos nos fatores de emissão utilizados no NIR, segundo metodologia IPCC 2006, para os adubos sintéticos e em diferentes evoluções das áreas beneficiadas pelos três níveis tecnológicos nos cenários em causa.
Importa sublinhar que a agricultura de precisão tem um outro potencial efeito mitigador, por permitir uma gestão mais eficiente da água da rega e, consequentemente, uma potencial redução do consumo de energia a ela associado. A principal razão pela qual este efeito não foi tratado diretamente pela equipa responsável pela Agricultura, reside no facto de, na repartição setorial das atividades praticadas, se ter optado por considerar que tudo aquilo que tem a ver com o consumo de combustíveis e energia elétrica, seria analisado no contexto do setor energia independentemente do setor a que respeita.
3.3.4 Agricultura de conservação (ou regenerativa)
No que se refere à agricultura de conservação (ou regenerativa) e ao seu potencial efeito sequestrador de CO2, a equipa baseou-se nos seguintes pressupostos base:
- Entende-se por agricultura de conservação (ou regenerativa) os sistemas de produção baseados num conjunto de técnicas e práticas agrícolas prioritariamente orientadas para o aumento do teor dos solos em matéria orgânica.
- O aumento do teor dos solos em matéria orgânica alcançável no contexto dos sistemas de agricultura de conservação (ou regenerativa) vai depender da adoção de um conjunto de técnicas e práticas agrícolas capazes de contribuir, quer para o aumento das adições, quer para redução das perdas de matéria orgânica nos solos cultivados.
- No que diz respeito às áreas ocupadas por culturas temporárias ou permanentes, o aumento das adições de matéria orgânica nos solos, consegue-se pelo recurso à incorporação de adubos orgânicos (complementados quando indispensável por uma adubação mineral equilibrada), a rotações culturais diversificadas e uma gestão adequada dos resíduos das culturas.
- A redução das perdas de matéria orgânica pelos solos implica a adoção de sistemas de mobilização mínima e de sementeiras direta e uma adequada proteção dos solos.
- Uma componente importante deste tipo de sistemas de agricultura sustentável consiste na incorporação de compostos orgânicos obtidos por uma recirculação dos resíduos orgânicos de origem vegetal e animal recorrendo-se para o efeito à técnica da compostagem e, assim, contribuindo para os objetivos de economia circular.
Os aumentos do teor de matéria orgânica assim obtidos irão permitir a concretização dos seguintes três principais objetivos:
- a redução da utilização de fertilizantes sintéticos;
- o aumento da capacidade de sequestro de carbono orgânico;
- o aumento na eficiência na utilização da água.
Da concretização destes três objetivos irá resultar uma contribuição positiva para a descarbonização da economia portuguesa, compatível com um desempenho produtivo adequado dos diferentes sistemas de agricultura praticados.
Na análise da evolução esperada das emissões de GEE em causa, durante o período 2020-50, levou-se em consideração, não só o volume de composto orgânico obtido por compostagem, como também a evolução esperada para o peso da energia renovável no conjunto da energia total consumida em Portugal.
Nos cálculos por nós realizados no contexto do RNC 2050 levámos apenas em consideração nas trajetórias das emissões de GEE, os aumentos de sequestro de CO2 anteriormente identificados, assim como os acréscimos de emissões de GEE resultantes do processo de compostagem4.
Também neste caso, é possível considerar-se um outro potencial efeito mitigador em consequência da maior eficiência na utilização da água de rega resultante do aumento da capacidade de retenção da água pelos solos, efeito este que não foi por nós quantificado pelas razões atrás referidas para a agricultura de precisão.
3.3.5 Pastagens permanentes melhoradoras
No que diz respeito aos sistemas extensivos de produção animal, a sua classificação como de conservação (ou regenerativa) está dependente da capacidade de sequestro de CO2 das respetivas pastagens permanentes ser superior às emissões de GEE resultantes do efetivo animal que as utiliza5.
Para o efeito, considerou-se que, de acordo com o aceite no âmbito do NIR no ano 2016, são as pastagens permanentes semeadas biodiversas ricas em leguminosas (PPSBRL)6 aquelas a que se atribui uma capacidade de sequestro de 6,48 t CO2/ha/ano suscetível de tornar os sistemas de produção animal a eles associados carbonicamente neutros. Para o efeito, bastará que o respetivo encabeçamento animal seja responsável por emissões de GEE com um valor por ha/ano inferior ao da capacidade de sequestro das referidas pastagens, o que se estima ser cerca de 1,65 CN/ha.
A equipa tem consciência que, nem sempre, este tipo de pastagens são as melhores adaptadas aos diferentes tipos de solos, razão pela qual considera que a sua designação deverá ser mais genérica – pastagens permanentes semeadas e melhoradoras – associada a diferentes misturas de leguminosas e gramíneas adaptadas ao estado da fertilidade de diversos tipos de solos e baseados no tipo de ocupações culturais (sementeira direta, aplicação de calcário dolomítico e adubação fosfatada) usualmente preconizadas pelos especialistas para o efeito, tendo sido considerado o mesmo fator de sequestro para as pastagens biodiversas.
3.3.5 Modo de Produção Biológico (MPB)
Finalmente, no que se refere ao modo de produção biológico (MPB) importa sublinhar que a sua inclusão no RNC 2050 não tem a ver com uma eventual contribuição direta da sua parte para a descarbonização, mas sim, com a sua contribuição para uma maior circularidade da economia, ao substituir os adubos sintéticos por orgânicos e, também, com o facto de se admitir que os produtos biológicos tenderão a assumir uma importância crescente na dieta alimentar nacional.
De facto, e contrariamente àquilo que muitas vezes se vê afirmado, o MPB baseia-se num conjunto de práticas agronómicas que, tendo uma contribuição positiva para a promoção de melhores práticas ambientais, para um mais elevado nível de biodiversidade, para a preservação dos recursos naturais e ecológicos e para o bem-estar e sanidade animal, não contribui diretamente para uma redução das emissões de GEE, nem para um aumento da capacidade de sequestro de CO2. Há mesmo quem argumente que a agricultura biológica poderá contribuir para o aumento de emissões de GEE quando comparada com a agricultura convencional, em consequência da necessidade de se vir a recorrer a um consumo de adubos azotados mais elevado e a um maior número de operações culturais. Pode-se, no entanto, contrapor que a substituição dos adubos sintéticos por orgânicos permitirá reduzir emissões associadas com o fabrico destes diferentes tipos de adubos e que as práticas agrícolas que caracterizam o MPB têm normalmente um impacto sobre o teor de matéria orgânica do solo mais favorável do que as práticas associadas com os modos de produção convencionais.
Da tabela 6 contam os valores levados em consideração para cada cenário em relação à aplicação, ao longo das próximas décadas, dos diferentes tipos de medidas descarbonizadoras e de promoção da circularidade em causa.
3.4 Trajetórias das emissões de GEE
Com base na evolução prevista para as diferentes variáveis sectoriais e nos valores unitários das emissões e sequestro de GEE estimados a partir das diretrizes metodológicas mais recentes (2016 IPCC Guidelines), procedeu-se ao cálculo das trajetórias das emissões líquidas de GEE para cada um dos cenários em causa e para as respetivas variantes sem e com medidas descarbonizadoras.
A variante sem medidas descarbonizadoras corresponde às trajetórias de emissões e de sequestro de GEE que se prevê virem a ocorrer até 2050 em consequência, apenas, da evolução esperada das diferentes variáveis sectoriais, ou seja, na ausência das medidas mitigadoras e sequestradoras em causa.
A variante com medidas descarbonizadoras corresponde às trajetórias de emissões e de sequestro de GEE que se prevê vir a ocorrer até 2050, em consequência da evolução conjunta das variáveis sectoriais e das medidas mitigadoras e sequestradoras preconizadas.
Da análise das trajetórias de emissões líquidas de GEE do Sector Agrícola Português para a variante sem medidas descarbonizadoras, obtiveram-se as previsões que constam da tabela 7 e da figura 1, das quais se pode concluir que, para:
- o cenário Fora de Pista (FP) se prevê, entre 2020 e 2050, um aumento das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 8,45 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição negativa para a descarbonização da economia portuguesa;
- o cenário em Pelotão (P) se prevê, entre 2020 e 2050, um aumento das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 7,96 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição também negativa para a neutralidade carbónica em Portugal;
- o cenário Camisola Amarela (CA) se prevê, entre 2020 e 2050, uma redução das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 6,78 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição ligeiramente positiva para a descarbonização da economia nacional.
Quer isto dizer que, na ausência de medidas descarbonizadoras, a evolução prevista para o Sector Agrícola português, nada ou pouco irá contribuir para que se atinja, em 2050, a desejada neutralidade carbónica, uma vez que as variações esperadas entre 2020 e 2050, para as emissões anuais de GEE, se prevê virem a ser de +9,4%, de +3,1% e de -12,2% para, respetivamente, os cenários FP, P e CA.
Da análise das trajetórias das emissões líquidas de GEE dos três cenários em causa para as respetivas variantes com medidas descarbonizadoras (Tabela 7 e Figura 1), pode-se concluir que, para:
- o cenário Fora de Pista (FP), se prevê um aumento, entre 2020 e 2050, das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 8,17 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição ainda negativa para a descarbonização da economia portuguesa;
- o cenário Pelotão (P), se prevê uma redução, entre 2020 e 2050, das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 6,12 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição positiva para a neutralidade carbónica;
- o cenário Camisola Amarela, se prevê uma redução, entre 2020 e 2050, das emissões líquidas de GEE de 7,72 para 3,98 Mt CO2e/ano, ou seja, uma contribuição muito positiva para a descarbonização futura da economia nacional.
Pode-se daqui concluir que o efeito conjunto da evolução prevista para as variáveis sectoriais e para as medidas descarbonizadoras preconizadas, irá contribuir de forma bastante significativa para a neutralidade carbónica no caso dos cenários em Pelotão e Camisola Amarela, uma vez que as variações previstas, entre 2020 e 2050, para as emissões líquidas de GEE, são, respetivamente, da ordem dos -20,8 e -48,5%.
Importa sublinhar que, das análises de sensibilidade realizadas pela AGRO.GES, esta contribuição positiva para a descarbonização da economia portuguesa poderá ainda vir a ser mais significativa, uma vez que:
- no caso do cenário em Pelotão (P), a redução prevista poderá vir a atingir uma variação de -31,9%, entre 2020 e 2050, se as medidas descarbonizadoras aplicadas vierem a atingir os níveis previstos para o cenário Camisola Amarela;
- no caso do cenário Camisola Amarela (CA), a redução prevista poderá vir a atingir uma variação de -58,5%, se o pacote de medidas descarbonizadoras adotado incluir a utilização de aditivos alimentares e aumentos, até 2050, das áreas de agricultura de conservação (mais 120 mil hectares) e de pastagens melhoradoras (mais 50 mil hectares).
4. Impacto dos diferentes tipos de medidas descarbonizadoras sobre as trajetórias de emissões e sequestro de GEE
Dada a enorme importância que as medidas mitigadoras e sequestradoras assumem no contexto das previsões da AGRO.GES quanto à contribuição do sector agrícola português para a futura descarbonização da economia nacional, justifica-se que se tenha procedido a uma desagregação dos respetivos impactos, cuja análise para os cenários em Pelotão e Camisola Amarela foi assente nas três seguintes hipóteses alternativas:
trajetórias sem medidas descarbonizadoras;
• trajetórias apenas com as medidas mitigadoras previstas;
• trajetórias com a totalidade das medidas descarbonizadoras, ou seja, as medidas mitigadoras mais as medidas sequestradoras.
Da análise para o Setor Agrícola da evolução das medidas descarbonizadoras, entre 2020 e 2050, podem-se retirar as duas seguintes principais conclusões (Tabela 8):
Primeiro, que no caso do cenário em Pelotão e na ausência de medidas descarbonizadoras, as emissões líquidas de GEE aumentam ligeiramente, entre 2020 e 2050, (+3,1%) evolução esta que se caracteriza por um ligeiro decréscimo quando se leva em consideração, apenas, as medidas mitigadoras (-1,4%) e por uma redução bastante mais significativa quando a estes se adiciona o efeito do sequestro das restantes medidas descarbonizadoras (-20,8%).
Segundo, que no caso do cenário Camisola amarela, os apoios em causa apontam para tendências semelhantes, sendo, no entanto, bastante mais significativos, uma vez que as variações esperadas nas emissões líquidas de GEE, até 2050, são da ordem dos -12,1%, -19,7% e -48,5%, respetivamente.
Assim sendo, para que o Setor Agrícola português venha a ter uma contribuição significativa para a neutralidade carbónica em Portugal em 2050, vai ser indispensável que as medidas de sequestro identificadas venham a assumir uma importância decisiva na sua evolução futura.
Esta conclusão vem bem expressa nos dados da Tabela 9, onde se procedeu à desagregação dos efeitos dos diferentes tipos de medidas descarbonizadoras e dos quais se pode concluir a importância decisiva para a descarbonização do Setor Agrícola nacional, das medidas sequestradoras em geral e das pastagens permanentes melhoradoras, em particular.
5. Conclusões e recomendações
São as seguintes as principais conclusões do RNC 2050 para o Setor Agrícola Português:
- Primeiro, que a evolução esperada para o setor agrícola português em consequência dos fatores determinantes do seu comportamento económico (sem medidas descarbonizadoras) nas próximas décadas, poderá vir a contribuir, até 2050, para um aumento do valor global das emissões líquidas de GEE de, 0,2 Mt CO2e, no caso do cenário em Pelotão, e uma redução de -1,6 Mt CO2e, no caso do cenário Camisola amarela, ou seja, variações acumuladas entre 2020 e 2050 de, respetivamente, 3,1% e -12,2%.
- Segundo, que a adoção por parte do setor agrícola português do conjunto de medidas descarbonizadoras anteriormente analisadas, poderá vir a ter um impacto bastante positivo para a neutralidade carbónica da economia nacional, uma vez que irão possibilitar que, até 2050, a redução das emissões líquidas de GEE por parte deste setor, num valor de -0,9 Mt CO2e, no caso do cenário em Pelotão e de -3,7 Mt CO2e, no caso do cenário Camisola amarela, ou seja, variações acumuladas entre 2020 e 2050 de, respetivamente, -21% e -49%.
- Terceiro, que as reduções nas emissões líquidas de GEE, que irão ser alcançadas ao longo do período 2020-50 em consequência das medidas descarbonizadoras adotadas, irão resultar principalmente das tecnologias mitigadoras associadas à alimentação animal (digestibilidade e aditivos alimentares) e com a gestão de efluentes pecuários e maioritariamente do aumento da capacidade de sequestro de CO2 pelos solos agrícolas, resultante da expansão das áreas ocupadas pelos sistemas de produção vegetal de conservação (ou regenerativos) e pelas pastagens permanentes melhoradoras.
Do anteriormente exposto, pode-se concluir que uma contribuição significativa do Setor Agrícola para a descarbonização da economia nacional vai depender, no essencial, do desenvolvimento de tecnologias apropriadas no âmbito da alimentação animal, assim como de uma adequada gestão e conservação dos solos agrícolas em geral e dos mais degradados em particular, o que irá tornar necessário e urgente colocar o solo no centro de uma estratégia adequada para o desenvolvimento sustentável do setor agrícola nacional nas próximas décadas, cuja implementação vai passar, na próxima década, pelo Plano Estratégico para a PAC (PEPAC) atualmente em elaboração.
É nossa convicção que futuras inovações tecnológicas no âmbito da melhoria da digestibilidade dos alimentos compostos para animais e dos aditivos alimentares, irão ser alcançadas por iniciativa das respetivas indústrias que, já hoje em dia, dedicam grande parte da sua investigação a estas problemáticas.
Já no que se refere aos outros tipos de medidas descarbonizadoras, vai ser indispensável desenvolver sistemas de ocupação e uso dos solos e de tecnologias de produção que contribuam para o aumento do teor de matéria orgânica e uma melhoria da estrutura dos solos, o que irá depender, em grande medida, da expansão futura dos sistemas de produção vegetal e animal de conservação ou regenerativos, assim como das tecnologias de precisão.
Para que tal venha a concretizar-se, vai ser necessário que o PEPAC promova uma estratégia de desenvolvimento do sector agrícola nos próximos anos baseada nas seguintes prioridades:
- Primeiro, numa evolução do sistema de pagamentos diretos aos produtores que privilegie em geral os apoios de natureza ambiental, climático e territorial, em detrimento dos apoios ao rendimento e à produção, hoje em dia dominantes e, em particular, medidas agroambientais e agroclimáticas orientadas, prioritariamente, para:
- uma redução das perdas de matéria orgânica do solo, pela adoção de tecnologias e práticas agrícolas que promovam uma diminuição da mobilização, da erosão e da mineralização dos solos;
- um aumento dos ganhos de matéria orgânica através da adição de compostos orgânicos, uma melhor gestão dos resíduos e um maior equilíbrio nas rotações e adubações.
Neste contexto, vão assumir particular relevo medidas do tipo eco-climático e agroambiental que assegurem a viabilização económica dos sistemas de agricultura de conservação, em geral, e os apoios à instalação e manutenção de pastagens permanentes melhoradoras do tipo das biodiversas, em particular, as quais deverão constituir uma adequada concretização dos compromissos assumidos no âmbito do RNC 2050.
- Segundo, a promoção de um modelo tecnológico de intensificação sustentável capaz de contribuir para o crescimento económico do sector baseado numa melhoria da eficiência no uso dos fatores intermédios de produção e numa gestão e conservação sustentável dos recursos terra e água;
- Terceiro, a promoção de uma rede de Organização de Produtores (OP) que possibilite a implementação de medidas de gestão de risco e de estabilização de rendimentos e que contribuam para uma mais fácil divulgação e difusão generalizada das inovações tecnológicas que melhor assegurem uma mais eficiente utilização dos recursos disponíveis e contribuam para a descarbonização da economia nacional;
- Quarto, o reforço de uma fileira do conhecimento baseada numa rede de estações experimentais distribuídas no território nacional que através de uma investigação aplicada sejam capazes de promover o acesso às inovações tecnológicas em causa por parte do maior número possível de produtores agrícolas, assim como assegurar o respetivo apoio técnico.
A equipa responsável pela elaboração do PEPAC e o Governo que o vier a aprovar irão assumir, neste contexto, uma importância decisiva, uma vez que deles irá depender, no essencial, a capacidade do sector agrícola português de cumprir os compromissos assumidos no âmbito do RNC 2050.
Francisco Avillez – COORDENADOR CIENTÍFICO DA AGROGES
João Maria Carvalho – COLABORADOR TÉCNICO
Gonçalo Vale – COLABORADOR TÉCNICO
1 Esta equipa, que trabalhou em estreita colaboração com a APA, integrou, para além da AGRO.GES, a GET2C, a FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a Lasting Values e a J. Walter Thompsom Lisboa.
2 2006 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. Disponível em http://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2006gl/
3 Uma unidade de CO2 equivale a uma unidade de CO2e, uma unidade de CH4 equivale a 25 de CO2e e uma unidade de N2O equivale a 298 de CO2e
4 A equipa baseou-se num estudo realizado pela AGRO.GES em colaboração com a EDIA e com a participação do Prof. Mário Carvalho, da Universidade de Évora, intitulado “URSA: Unidades de recirculação de subprodutos de Alqueva”, para proceder ao cálculo dos aumentos potenciais da capacidade de sequestro de CO2 associados com diferentes evoluções previstas para as áreas a beneficiar, no âmbito dos três cenários considerados.
5 De acordo com os dados da COS existem no ano 2016 em Portugal Continental cerca de 1,2 milhões de hectares de pastagens permanentes, dos quais, metade em terra limpa e a outra metade em sub-coberto vegetal. De acordo com as nossas estimativas, cerca de ¼ desta área corresponde a pastagens permanentes semeadas ou melhoradas das quais, apenas 50 mil hectares são identificados pelo IFAP e consequentemente considerados pela APA como sendo passíveis de ser contabilizadas para efeitos de sequestro de carbono.
6 Teixeira, R., Domingos T., Martins H., Calouro, F., “Nota Metodológica para contabilização do sequestro de carbono em áreas com gestão específica”, 2010