São de dois tipos diferentes as medidas de política agrícola em vigor com um impacto directo sobre o rendimento dos produtores agrícolas portugueses: as medidas de suporte de preços (MSP) e os pagamentos directos aos produtores (PDP).
As medidas de suporte dos preços (MSP) interferem no processo de formação dos preços nos mercados agrícolas, fazendo com que os preços no produtor e no consumidor se formem a níveis diferentes dos respectivos preços paritários de importação/exportação. Trata-se, portanto, de medidas que influenciam directamente as decisões de produção e consumo dos produtos agrícolas provocando distorções nos respectivos mercados e gerando transferências de rendimento entre produtores, consumidores e contribuintes. Por estes motivos, são medidas que se comportam como subsídios à produção.
Os preços de intervenção, os direitos sobre a importação e os subsídios à exportação são exemplos deste tipo de medidas.
De acordo com uma publicação da OCDE de 2024, o conjunto dos produtores agrícolas da UE beneficiou, em média, no triénio 2021-23 de uma transferência gerada pelas MSP de 17,8 milhares de milhões de USD, a qual representava 23,2% do total dos apoios directos ao rendimento e, apenas, 3% da respectiva receita bruta de exploração[1]. De acordo com a mesma fonte, os produtos agrícolas da UE que mais beneficiaram das transferências geradas pelas MSP foram o Arroz e as Carnes de Aves e de Bovinos.
Apesar de não dispormos de estimativas actualizadas sobre o efeito das MSP no âmbito da agricultura portuguesa, admitimos que, quer o seu peso no total dos apoios directos ao rendimento dos produtores, quer a sua expressão nos diferentes tipos de produtos, não sejam muito diferentes da média da UE.
Os pagamentos directos aos produtores (PDP) são transferências de rendimento dos contribuintes para os produtores, que se podem classificar em dois grupos distintos:
- os pagamentos aos produtores directamente ligados à produção (PPDLP);
- os pagamentos aos produtores separados (ou desligados) da produção (PSP).
Os PPDLP podem ser baseados quer nas quantidades produzidas, quer nas áreas cultivadas, quer no número de animais elegíveis. Trata-se de medidas que não interferem no processo de formação dos preços dos produtos agrícolas, mas que influenciam total ou parcialmente as decisões de produção, gerando transferências de rendimento, apenas, entre os contribuintes e os produtores agrícolas tomados individualmente. Por estes motivos são, também, medidas que se comportam como subsídios à produção.
Os apoios por hectare do milho, do arroz e do tomate para indústria, assim como os prémios às vacas leiteiras, às vacas aleitantes e aos ovinos e caprinos são exemplos deste tipo de medidas.
De acordo com a OCDE, este tipo de pagamentos correspondia, em média, no triénio 2022-23, a uma transferência para o conjunto dos produtores agrícolas da UE no valor de 23,7 milhares de milhões de euros, ou seja, 30,7% do total dos apoios directos ao rendimento e, apenas, 4,1% da respectiva receita bruta de exploração[2] da agricultura portuguesa.
Nas Contas Económicas da Agricultura (CEA) nacionais, este tipo de pagamentos corresponde aos subsídios aos produtos que na estimativa para o ano de 2024 recentemente publicada pelo INE, foi contabilizado em 329,3 milhões de euros, o que corresponde a 20,3% do somatório deste tipo de pagamentos com os chamados Outros subsídios à produção e a 2,7% da receita bruta de exploração da agricultura portuguesa.
Os PPSP são medidas que não interferem, nem directa, nem indirectamente, nas decisões de produção, que geram transferências de rendimento, apenas, dos contribuintes para os produtores e que correspondem a pagamentos de serviços prestados pelos produtores quer de âmbito ambiental (gestão de recursos naturais, combate às alterações climáticas e restauro da biodiversidade e das paisagens agrícolas), quer de âmbito social (estabilização dos rendimentos, segurança alimentar e coesão territorial).
Os pagamentos base e redistributivo, os eco-regimes e as medidas agroambientais e clima e os apoios às regiões desfavorecidas, são exemplo de pagamentos de serviços prestados pelos produtores à colectividade.
De acordo com a OCDE, este tipo de pagamentos gerou, em média na UE, no triénio 2022-23, uma transferência no valor de 35,8 milhares de milhões de USD, o que correspondeu a 46,3% e a 6,1% de, respectivamente, o total dos apoios directos ao rendimento e da receita bruta de exploração da agricultura da UE.
Nas CEA portuguesas este tipo de PP integra uma rubrica intitulada Outros subsídios à produção, tendo no seu conjunto atingido em 2024 o valor de 1295,1 milhões de euros, o que corresponde a cerca de 80% do total dos apoios directos ao rendimento dos produtores contabilizados pelo IFAP e a cerca de 9% da respectiva receita bruta de exploração.
A adopção pelo INE desta designação, por exigência do EUROSTAT[3], para este tipo de PPSP em vez de os designar por Pagamentos dos serviços prestados pelos produtores agrícolas à colectividade, desvirtua por completo o verdadeiro significado deste tipo de apoios públicos à agricultura.
De facto, a principal conclusão a retirar da leitura do Destaque publicado pelo INE de 10 de Dezembro de 2024 será muito diferente se a frase nele contida “O rendimento da actividade agrícola, em termos reais, por unidade de trabalho ano (UTA) deverá aumentar 14,7%, em consequência, sobretudo, do forte crescimento dos Outros subsídios à produção a pagar em 2024 (128,4%)”, fosse substituída por uma outra em que o aumento do rendimento do sector agrícola fosse atribuído, como seria desejável e mais correcto, ao forte crescimento dos Pagamentos dos serviços prestados pelos produtores agrícolas à colectividade.
É tempo dos centros de decisão de política nacional e da UE reconhecerem que se deve deixar de chamar subsídios à produção àquilo que é a remuneração de serviços de natureza social, ambiental e territorial que se propõe incentivar os produtores agrícolas a prestar.
[1] Valor da produção a preços no produtor + estimativa de suporte aos produtores
[2] Produção do ramo agrícola a preços no produtor + total dos apoios ao rendimento
[3] Economic accounts for agricultural manual, October 2024 edition
Francisco Avillez
Prof. Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenar Científico e Metodológico da AGROGES