Um agricultor Português, um agricultor Espanhol e um agricultor Italiano entram num bar… cada um leva uma lambada.
Nesta espécie de desporto nacional que se tornou a diabolização da agricultura em Portugal e no sul da Europa, podemos não estar tão longe assim de um desfecho trágico para uma história que pareceu, no começo ser alegre. Refiro-me à história da agricultura como um todo e não da dos pobres indivíduos que entram num bar, se bem que também essa história tem um desfecho que não seria de esperar. Mas voltando à agricultura, não seria de esperar que uma actividade que resulta na nobre e gratificante acção de alimentar a si e ao próximo, fosse vista com tão maus olhos.
Uma das principais causas desta má fama dada aos agricultores são argumentos mal-intencionados em que tudo se pode dizer, e o seu contrário, se for para carregar na tecla do agricultor que prejudica o ambiente. Sem o preconceito que se gerou, qualquer indivíduo de bom senso veria que o agricultor vive do ambiente e é o primeiro interessado em defendê-lo, mas na forma como as narrativas são colocadas, tudo indica o contrário e o espectador cria um viés nesse sentido, que depois é reforçado regularmente, até se tornar inquestionável.
Mas há remédio para este mal! Qualquer esforço de análise critica, interessada (porque é preciso tempo e dedicação se não se conhecer a realidade) e que realmente dê uma chance ao argumento contrário, consegue ver que, como é costume dizer-se, o diabo está nos pormenores. Como, para quem não conhece, pode ser mais difícil desmontar os argumentos que aparecem todos os dias na televisão e no discurso de políticos, declarados e camuflados (habitualmente camuflados de ambientalistas), o objectivo deste pequeno texto é dar uma ajuda a essa análise: O contexto interessa… sempre!
O problema está mesmo na inconsistência com que esta regra é aplicada, por quem tem o púlpito, para fazer valer os seus argumentos. É que na televisão e na boca dos políticos, declarados e camuflados, o contexto interessa…mas só às vezes.
Permitam-me que ilustre.
Este ano está, infelizmente, a ser bastante seco. O ano hidrológico tem até ao momento (meados de fevereiro), menos de 150 a 200 mm de precipitação do que teria um ano médio, em muitas zonas do Alto Alentejo que conheço bem. Assim, é natural que a água seja um assunto muito falado por estes dias. Ora não faltam arautos da desgraça que vêm afirmar que a agricultura gasta, em Portugal, 75% da água armazenada, e que isso é muito mais que no norte da Europa. Pois bem, uma análise critica e honesta da situação facilmente perceberia que só os países do Sul é que regam, e, claro, nos do Norte a água é utilizada de outras formas. Posto em contexto, parece óbvio que Portugal, e outros países do Sul, têm de consumir mais água na agricultura, porque não têm a chuva no verão que há no norte de França, na Alemanha ou na Holanda. Mas aqui o contexto não interessa.
Há poucos meses tive a infelicidade de assistir a uma investigadora portuguesa explicar a uma sala cheia de agricultores portugueses que a agricultura era responsável, globalmente por um terço das emissões de gases de estufa. Ora, não teria sido interessante pôr isto no contexto português e explicar que por cá essa percentagem é de 10%? E que a agricultura portuguesa está intimamente ligada à floresta portuguesa, que é um sumidouro de carbono que mais que compensa o que a agricultura emite? Mais uma vez, aqui o contexto não interessa.
Há muito que se assiste a uma demonização das culturas com grande extensão, chamando-lhes monoculturas. Isto é particularmente forte no que toca aos olivais do Alentejo, mas aplica-se também noutras culturas e regiões. Seria interessante pôr esta questão no contexto da geração de massa crítica para servir de base a fileiras com economias de escala e com o fulgor necessários para ser motor de bom desempenho económico e produzir alimentos acessíveis a mais pessoas e com melhores condições nutricionais. Sim, espantoso, mas o azeite, a amêndoa e o vinho que saem das culturas com grandes extensões do Alentejo têm normalmente excelente qualidade e certificação de modo de produção, de qualidade e segurança alimentar, e outras. O contexto? Não interessa.
Pois, em todas estas situações, e em muitas mais, o contexto é essencial! Interessa!
Porque a monocultura é um termo que foi destinado ao uso nas culturas anuais e em permanentes nem faz sentido – se plantarmos um pomar, claro que não se vai alterar o uso do solo todos os anos.
Porque, nas culturas permanentes há cada vez mais esforços no sentido de melhorar a gestão ambiental, ou seja, do solo, da água, dos gases com efeito de estufa e da biodiversidade.
Porque as tecnologias de rega modernas têm eficiências acima dos 95% ao nível da planta.
Porque a agricultura utiliza água, não gasta. Nas nossas condições naturais, não regar implica aceitar sistemas pobres, com contributos pequenos para a produção de alimentos e sem resultados económicos que os estimulem. Esses sistemas estão em risco, de abandono, de envelhecimento da população, de perpetuar soluções que já foram vencidas pelos tempos e agora só resultam em grande escala. E com consequências ambientais muito duvidosas.
Por todos estes motivos, e outros, o contexto interessa… Sempre! Como não parece plausível que as televisões e os políticos o façam, temos de fazer nós, cidadãos individuais, a fazer esta análise critica e honesta da realidade, procurando o contexto e o máximo de informação sobre o assunto. Evitando juízos rápidos e preconceituosos, baseados em ideias que temos e nem sabemos de onde vêm. É importante que assim seja, que haja uma disposição na sociedade para a colocação de perguntas como “Porque é que o agricultor teria interesse em usar mais água que a necessária?” ou “Porque é que o agricultor não estaria interessado em perpetuar o seu sustento, que vem da natureza?”
É importante porque o seu oposto é uma sociedade partida numa linha que passa entre a natureza e a agricultura, e isso é muito mau para qualquer sociedade. É importante porque senão, qualquer dia, três agricultores do sul da Europa entram num bar… e cada um leva uma lambada.
Miguel Vieira Lopes
COLABORADOR TÉCNICO
mvieiralopes@agroges.pt