Da análise dos dados das Contas Económicas da Agricultura, pode-se concluir que os resultados económicos do sector agrícola português foram, do ponto de vista quer sectorial quer empresarial, muito mais favoráveis na última década do que nas duas anteriores.
Depois de no período entre os triénios “1992” e “2012” a agricultura portuguesa ter apresentado crescimentos negativos quer para o produto agrícola bruto em volume (-2,2%/ano) e em valor (-3,7%/ano), quer para o rendimento do sector agrícola (-2,6%), verificou-se, na última década, uma evolução muito mais positiva dos três resultados económicos em causa que tiveram crescimentos médios anuais de, respectivamente, +0,8%, +2,8% e +2,1% (Gráfico 1).
Do ponto de vista empresarial observou-se, também, tendências de evolução relativamente semelhantes, com um crescimento médio anual muito mais favorável na última década, face às duas anteriores, no que respeita, quer à competitividade das explorações agrícolas (+2,7%/ano em vez de -1,3%/ano), quer ao rendimento das explorações agrícolas (+1,3%/ano em vez de +0,3%/ano), quer ao rendimento dos produtores agrícolas (+6,4%/ano em vez de +1,6%/ano) (Gráfico 2).
São diversos os factores que, em nossa opinião, foram determinantes para o mais favorável desempenho económico do sector agrícola português na última década.
Em primeiro lugar, é de realçar o crescimento do volume da produção vegetal entre os triénios “2012” e “2022” (+3,3%/ano), que foi mais de três vezes superior, não só em relação ao verificado nas duas décadas anteriores (+0,2%/ano), como também ao alcançado nesta última década pelo volume da produção animal (+1%/ano) (Gráfico 3).
Este crescimento da produção vegetal foi acompanhado por um aumento da superfície agrícola cultivada e da superfície irrigável e, principalmente, por mudanças significativas na ocupação das terras agrícolas.
Nos últimos dez anos, a superfície agrícola cultivada aumentou cerca de 206 mil hectares, o que contrasta com a redução de cerca de 1,3 milhões de hectares verificada entre 1989 e 2009. Por sua vez, a superfície irrigável cresceu entre 2009 e 2019 cerca de 90 mil hectares, depois do decréscimo de quase 340 mil hectares observado nas duas décadas anteriores.
No que se refere à ocupação das terras agrícolas, assistiu-se a uma alteração profunda nesta última década, caracterizada por um decréscimo de 11,6% das terras aráveis, mais que compensado pelo aumento das áreas de culturas permanentes (+24,6%) e dos prados e pastagens melhorados e semeados (+29,2%).
O decréscimo nas últimas décadas das terras aráveis deveu-se, principalmente, à redução das áreas ocupadas por cereais praganosos (-32%) e da batata (-30%), parcialmente compensado pelo aumento das áreas de culturas hortícolas (+8,8%) e dos prados temporários e culturas forrageiras (+25%). Tais alterações foram acompanhadas por reduções no volume da produção de cereais praganosos (-4,6%) e da batata (-27,7%) e aumentos na produção de hortícolas (+34,2%).
Os acréscimos das áreas de culturas permanentes nos últimos dez anos foram particularmente significativos para o olival (+12%) e para os pomares de frutos frescos (+14%), citrinos (+16%) e frutos de casca rija (153%) que, no seu conjunto, mais que compensaram a redução verificada na área ocupada por vinha (-2,6%).
Estas alterações nas áreas ocupadas por culturas permanentes foram acompanhadas, entre os triénios “2012” e “2022”, por crescimentos no volume da produção do conjunto dos frutos de +5,6%/ano, do azeite de +3,6%/ano e do vinho de mais de +2,8%/ano, crescimentos médios anuais estes que importa comparar com os verificados entre os triénios “1992” e “2012” que atingiram +1,5%/ano no caso dos frutos, +3,1%/ano no caso do azeite e +0,2%/ano no caso do vinho (Gráfico 4).
Já no que se refere à evolução das áreas ocupadas por prados e pastagens permanentes melhorados e semeados, é de realçar que o seu aumento de cerca de 130 mil hectares na última década é muito superior à quebra de cerca de 34 mil hectares ocorrida nas décadas anteriores.
Em segundo lugar, importa sublinhar que as alterações produtivas anteriormente referidas foram acompanhadas por mudanças tecnológicas muito significativas, das quais resultou maior eficiência no uso dos factores de produção na última década em relação às anteriores. Tal melhoria refletiu-se na produtividade dos factores intermédios e de capital, cuja taxa de crescimento médio anual se reduziu de -1,7%/ano para -0,7%/ano, entre as décadas “1992”-“2012” e “2012”-“2022”, na produtividade da terra que, apesar do aumento da área cultivada, teve na última década um crescimento (+2,2%/ano) quase idêntico ao das duas décadas anteriores (+2,4%/ano) e na produtividade do trabalho cujo crescimento mais que duplicou (+2,6 para +5,4%(ano) apesar da evolução das respectivas UTA ter sido muito semelhante (-2,6 e -2,7%/ano) (Gráfico 5).
Em terceiro lugar, é de realçar que estas mudanças produtivas e tecnológicas se caracterizam num contexto de redimensionamento das explorações agrícolas de média dimensão e de uma mais que duplicação do número de sociedades agrícolas que passaram a explorar mais de 1/3 da SAU, a deter 57% dos efectivos pecuários e a dar emprego a 21% do total do volume de mão-de-obra agrícola nacional. De acordo com os dados do Recenseamento Agrícola de 2019, trata-se de um tecido empresarial agrícola cujos dirigentes são mais novos, têm melhores habilitações e dedicam mais tempo às suas explorações e que se caracterizam por, em média, utilizarem de forma mais eficiente os recursos de que dispõem.
Por último, importa ainda sublinhar que este melhor desempenho económico das explorações agrícolas portuguesas na última década foi alcançado num contexto bastante menos favorável do ponto de vista das políticas públicas em vigor, o qual se refletiu no facto de os apoios directos aos rendimentos dos produtores terem crescido na última década (+1,5%/ano) de forma bastante menos favorável do que nas duas décadas anteriores (+5,1%/ano), divergência esta que foi ainda mais contrastante quando se compararam a taxa média de aumento dos apoios ao investimento nos dois períodos em causa, que foi de -4,2%/ano na última década e de +1,6%/ano entre os triénios “1992” e “2022” (Gráfico 6).
Francisco Avillez
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL e Coordenador Científico da AGROGES
Manuela Nina Jorge
Directora Financeira da AGROGES