O impacto direto e indireto do aumento da taxa de IVA dos adubos sintetizados e fertilizantes não-orgânicos.
Foi notícia no final da semana passada que, do conjunto de exigências apresentadas pelo PAN ao Governo como contrapartida para a aprovação do Orçamento de Estado para 2021, consta a proposta de aumentar a taxa de IVA de 6% para 13% dos “adubos sintetizados e fertilizantes não-orgânicos” (Proposta de Aditamento à Proposta de Lei nº 61/XIV/2ª – Orçamento do Estado para 2021, com alteração ao Artº. 228º-A e ao Artº. 228º-B do Código do IVA1).
Segundo o comunicado do PAN, o Governo aceitou essa proposta. Tentando explicá-la publicamente, a melhor imagem que me vem à cabeça é a do deputado André Silva, líder do PAN, a enterrar-se em fertilizante orgânico até ao pescoço!
Indo às coisas sérias, este episódio merece alguma reflexão, que me proponho partilhar convosco, pois encerra um conjunto de dimensões preocupantes.
Sobre o impacto direto do aumento da taxa de IVA
O aumento da taxa de IVA que incide sobre um consumo intermédio, como é o caso dos fertilizantes, tem três impactos diretos essenciais:
- aumenta a receita do Estado, se o aumento do imposto não for dissuasor da utilização do recurso em causa (o Governo agradece);
- pressiona a tesouraria de todas as empresas agrícolas e agricultores em nome individual que utilizem esse recurso, pois aumenta o valor dos pagamentos que estes terão que efetuar quando adquirem o recurso, podendo alguns recuperar esse valor mais tarde (os bancos agradecem);
- aumenta os custos (e, consequentemente, reduz os resultados) às empresas agrícolas e agricultores que, por terem reduzida dimensão, têm um regime de contabilidade que não lhes permite recuperar o valor do IVA (ninguém agradece).
Em conclusão, os verdadeiros prejudicados caso esta medida fosse implementada (e estou em crer que não o será) seriam os pequenos agricultores, que são aqueles que normalmente mais dificuldades económicas já enfrentam.
Acresce que, para os agricultores que o queiram fazer, cada vez será mais competitivo mandar vir os fertilizantes em causa da vizinha Espanha. E assim se vai destruindo a economia, enquanto se assobia para o ar.
Sobre os efeitos indiretos do aumento da taxa de IVA
Aquilo que o PAN terá pensado (se é que pensou) foi que os agricultores (de preferência os grandes, que utilizam mais fertilizantes) deixariam de utilizar os fertilizantes indesejáveis aos olhos do PAN (adubos sintetizados e fertilizantes não-orgânicos) e passariam a utilizar o “bálsamo” de fertilizantes orgânicos.
Este “wishful thinking” tem dois problemas essenciais (e muitos outros menos essenciais):
- os fertilizantes orgânicos são bastante mais caros do que os não-orgânicos, por unidade de nutriente utilizável pelas plantas, tornando irrelevante o efeito dissuasor do aumento do IVA sobre a utilização dos segundos;
- a diversidade e volume de fertilizantes orgânicos disponível no mercado é, face aos níveis atuais de utilização de nutrientes, bastante reduzida (essencialmente produtos azotados, e com composição variável de outros nutrientes) e as regras para a sua utilização na Europa são bastante rígidas.
Sobre a questão do preço dos nutrientes veiculados por via orgânica, e se tal substituição pudesse ser efetuada de forma linear, mais uma vez seriam os agricultores com maiores dificuldades económicas que seriam prejudicados.
Sobre a questão das regras existentes, é relevante ter presente que as quantidades máximas de azoto que podem ser aplicadas sob forma orgânica estão regulamentadas, exatamente por causa dos riscos que a utilização indiscriminada destes compostos acarretam para o ambiente – fundamentalmente para a poluição dos solos e da água.
Adicionalmente, o PAN confunde, de propósito ou por ignorância, a utilização de fertilizantes orgânicos com a utilização do Modo de Produção Biológica. Não. Infelizmente a coisa é bem mais complexa, tanto do lado dos benefícios da Produção Biológica (que os tem, mas que não são, infelizmente, todos os que se apregoam) como do lado do uso adequado de fertilizantes na atividade agrícola. Um fertilizante, seja ele mineral ou orgânico, natural ou “sintetizado”, deve ser utilizado de forma racional, sob pena de provocar problemas ambientais. E é neste ponto que seria importante apostar (na racionalidade da utilização dos nutrientes na nossa agricultura) em vez de se atirar poeira para o ar. A bem da economia, do ambiente e do território (que necessita de atividade agrícola).
Sobre o Ministério da Agricultura
Depois de ter sido tornada pública a proposta do PAN, não se fizeram esperar as reações públicas. Reagiu a CAP, reagiu a CONFAGRI e certamente reagirá a CNA. Reagiram muitos agricultores e técnicos do setor. Muitos outros reagirão, estou certo disso.
Confesso que ainda tive a esperança que o Ministério da Agricultura tivesse “votado vencido” nesta matéria. Mas foi esperança de pouca dura pois, da parte do Ministério da Agricultura, a senhora Ministra já afirmou que “…o que está em cima da mesa é criar condições para que esta situação leve à utilização de formas mais orgânicas que existem”. Ficamos pois a saber que o Ministério da Agricultura está de acordo com a medida proposta pelo PAN. Teria bastado à senhora Ministra fazer umas contas (ou pedir a alguém que as fizesse) para concluir que esta subida de IVA não conduzirá, longe disso, ao aumento das “formas mais orgânicas que existem” – a unidade de azoto (ou de qualquer outro nutriente) mantém-se comparativamente mais cara neste grupo de fertilizantes.
Para além disso, esta tentação de corrigir o comportamento dos consumidores (neste caso das empresas) através do agravamento da carga fiscal já começa a enervar. Valerá a pena recordar que teria sido possível incentivar a utilização dos fertilizantes apreciados pela senhora Ministra, reduzindo a carga fiscal que sobre eles incide?
Sobre a coisa em si
Querer abordar realidades complexas com soluções simplistas não pode dar bom resultado. As questões da sustentabilidade das atividades económicas em geral, e da atividade agrícola em particular (como é o caso do potencial poluente da utilização de fertilizantes), não podem ser encaradas desta forma simplista e avulsa, com propostas cujas consequências não foram avaliadas de forma séria.
Preocupa-me menos que o PAN tenha feito a proposta que fez (não tenho muitas ilusões sobre as intenções que o PAN tem sobre estes assuntos), do que o facto de o Governo a ter, aparentemente, recebido bem. Mais do que o impacto real da medida (que o tem, embora limitado), esse é o verdadeiro problema da “coisa em si”: a forma ligeira e completamente desarticulada como se tomam decisões sobre o futuro da atividade agrícola em Portugal.
Mais uma vez, e em atualizações sucessivas ao longo dos últimos anos que se vão tornando hábito, o setor agrícola é visto como suficientemente pouco relevante para poder servir como moeda de troca numa negociação como esta. Não importa a que custo, não interessa com que lógica. Acredito que a proposta do PAN não irá avante, o mais que não seja porque o PCP não alinhará numa medida destas. Mas que é mais uma machadada na confiança do setor agrícola, disso não tenho qualquer dúvida.
Francisco Gomes da Silva
DIRETOR GERAL DA AGROGES
1A proposta de alteração ao OE pode ser consultada aqui.