É, hoje em dia, consensual que o principal objectivo estratégico da política agrícola para os próximos anos em Portugal irá ser o de promover o crescimento do valor acrescentado do sector agroalimentar e florestal nacional de forma economicamente competitiva, ambientalmente sustentável e territorialmente equilibrada.
Para que este objectivo possa vir a ser atingido pelas explorações agrícolas portuguesas, vai ser indispensável a criação de condições político-institucionais capazes, simultaneamente, de:
- promover a competitividade dos sistemas e estruturas de produção agrícola capazes de vir a competir no contexto de mercados cada vez mais alargados e concorrenciais e de uma procura crescentemente exigente do ponto de vista ambiental, da segurança alimentar e do bem-estar animal;
- assegurar a viabilidade dos sistemas e estruturas de produção agrícolas que, não tendo condições para vir a competir no futuro, sejam capazes de contribuir para a sustentabilidade ambiental e a coesão económica e social dos territórios rurais.
São diversas as medidas de política agrícola que poderão contribuir no futuro para a criação de tais condições, das quais importa destacar:
- os instrumentos de gestão de riscos e de estabilização dos preços e rendimentos;
- as acções de reforço da posição dos produtores na cadeia agroalimentar;
- os incentivos para a criação e difusão de inovações tecnológicas e não-tecnológicas prioritariamente orientadas para a expansão de um novo modelo de intensificação tecnológico agrícola sustentável;
- os apoios ao investimento produtivo e à internacionalização;
- os pagamentos directos aos produtores que, assegurando uma remuneração adequada dos bens e serviços públicos produzidos, assegurem a viabilidade dos sistemas de produção ambiental e socialmente sustentáveis.
Embora de forma diferente, tanto o reforço da posição dos produtores na cadeia agroalimentar, como a criação e difusão de inovações agrícolas, irão ser importantes para o futuro dos dois tipos de sistemas de produção agrícola em causa.
Os pagamentos directos aos produtores de sistemas ambiental e socialmente sustentáveis irá assumir uma importância decisiva para a sua viabilidade económica futura.
Para a competitividade económica futura dos sistemas e estruturas de produção potencialmente competitivos vai ser fundamental um conjunto coerente de medidas de gestão de riscos naturais e de mercado e de critérios de selecção e de taxas de apoio aos projectos de investimento produtivo e à internacionalização.
É, neste contexto, que em minha opinião deverá ser encarada a reforma da PAC pós-2020, sendo de realçar que uma implementação coerente e eficaz do conjunto de medidas em causa irá implicar uma alteração significativa na forma como se distribuem os fundos comunitários entre os diferentes tipos de medidas e, consequentemente, Estado-Membros da União Europeia, sectores produtivos e explorações agrícolas nacionais.
Estas alterações orçamentais vão, certamente, constituir o principal obstáculo a vencer pelos promotores da próxima reforma da PAC, ficando no centro das dificuldades a ultrapassar o futuro das verbas afectas aos pagamentos directos aos produtores, que correspondendo a cerca de 70% do actual orçamento agrícola da UE, terão que sofrer necessariamente uma redução de forma a tornar possível um adequado financiamento das medidas anteriormente propostas.
Os PDP do 1º Pilar da PAC que representam, actualmente, cerca de 45% da totalidade do orçamento agrícola da nacional são, no essencial, apoios ao rendimento dos produtores agrícolas independentemente de estes serem ou não competitivos ou de desempenharem ou não uma função ambiental, territorial e social relevante, que correspondem, historicamente, a uma compensação das perdas de rendimento esperadas em consequência do desmantelamento das medidas de suporte de preços (reformas da PAC de 1992 e 1999) e dos pagamentos ligados à produção (reforma da PAC de 2003).
Estas compensações, concebidas originalmente como tendo carácter temporário, acabaram por, ao longo do tempo, passarem a ser assumidas pelos diferentes EM e respectivos produtores agrícolas como definitivas, o que tornou particularmente difícil a sua substituição, mesmo que parcial.
Dadas as muito possíveis limitações orçamentais futuras (em consequência do Brexit, mas não só), a adopção de um conjunto coerente e eficaz de instrumentos de estabilização de rendimentos, de remuneração de bens públicos agrícolas e de apoios ao investimento na área da inovação e de internacionalização, vai implicar uma redução dos fundos disponíveis para financiar os pagamentos directos aos produtores actualmente em vigor.
Uma reorientação deste tipo não pode constituir uma mera transferência entre diferentes grupos de beneficiários, uma vez que dela deverão resultar os fundos indispensáveis para:
- financiar os instrumentos de estabilização de preços e de rendimentos que deverão passar a constituir um elemento decisivo para a competitividade económica dos sistemas e estruturas potencialmente competitivas;
- remunerar, adicionalmente, os bens públicos que venham a ser produzidos pelos sistemas e estruturas de produção com um contributo mais relevante para a sustentabilidade ambiental e social dos territórios rurais;
- reforçar as verbas de apoio à produção e difusão de inovações, aos investimentos produtivos e à internacionalização dos sectores agro-alimentar e florestal comunitário e nacional.
Estas futuras alterações significativas na PAC vão, inevitavelmente, implicar mudanças no Orçamento Agrícola da UE, ou seja, uma reafectação dos fundos comunitários entre medidas e, consequentemente, entre Estados-Membros, produtores agrícolas e sectores produtivos, o que vai provocar, necessariamente, resistência à mudança.
Por outro lado, o recurso a medidas de estabilização de preços e de rendimentos do tipo contra cíclico, vai exigir um Orçamento Agrícola da UE com uma maior flexibilidade do que o actual, o que irá constituir outro obstáculo a este tipo de mudanças.
Importa sublinhar que os produtores comunitários e nacionais actualmente mais beneficiados pelos sistemas de PDP em vigor vão, certamente, reagir de forma muito negativa a este tipo de mudanças, uma vez que elas irão pôr em causa uma fonte de rendimentos relativamente segura, o que torna particularmente difícil o debate, entre nós, sobre o futuro dos pagamentos directos aos produtores.
Este debate é, no entanto, essencial para o futuro da agricultura da UE em geral e de Portugal em particular uma vez que o actual sistema de PDP, não só pouco contribui para uma efectiva estabilização dos rendimentos e para a viabilidade económica dos sistemas e estruturas de produção com um impacto ambiental e territorial positivo, como também constitui um claro desincentivo a uma reconversão produtiva e tecnológica indispensável, em minha opinião, à obtenção de ganhos mais significativos de competitividade económica de forma ambientalmente sustentável e territorialmente equilibrada.
Se não existir vontade política para promover este tipo de debate, será, em minha opinião, desnecessário perder-se muito tempo a discutir a PAC pós-2020, uma vez que ela pouco ou nada diferirá da PAC actual.
Bastará, nesse contexto, limitar-nos a apostar na defesa da nossa fatia do Orçamento Agrícola da UE, de modo a que ela não venha a ser muito reduzida.
Francisco Avillez
(Professor Emérito do ISA, UL e Coordenador científico da AGRO.GES)