Estivesse o nosso país localizado nas latitudes do norte da Europa, onde o clima se caracteriza por uma precipitação mais abundante e regularmente distribuída ao longo do ano, o regadio seria totalmente dispensável.
No entanto, o Continente Português possui um clima marcadamente mediterrânico, que é caracterizado pelo desfasamento entre o período onde se concentra a precipitação (Outono-Inverno) e o período onde as necessidades de água para as culturas são maiores (Primavera-Verão), altura em que a precipitação é pouco abundante, mas as temperaturas são favoráveis ao desenvolvimento das plantas.
Este desfasamento natural, que se verifica mesmo em anos mais húmidos, tem como consequência a criação de um deficit hídrico em períodos cruciais para o desenvolvimento das culturas, afetando a sua produtividade e a viabilidade económica de muitos sistemas de produção agrícola.
Nestas condições, o regadio torna-se uma ferramenta essencial, uma vez que permite distribuir a água às plantas de forma mais homogénea ao longo do ano, recorrendo a estruturas que armazenam a água proveniente da abundante precipitação verificada nos meses de Outono-Inverno (barragens, represas ou mesmo aquíferos subterrâneos), para posteriormente a distribuir pelas plantas durante o período da Primavera-Verão, altura em que naturalmente ocorreria uma situação de deficit hídrico.
Ao eliminar ou reduzir estas situações de deficit hídrico, o regadio permite aumentar significativamente a produtividade das culturas e a riqueza gerada por unidade de área: em média, o Valor Acrescentado Bruto gerado por um hectare de área de regadio é seis vezes superior ao gerado por um hectare de área de sequeiro.
Refira-se ainda que as áreas de regadio atualmente existentes representam apenas 14% da Superfície Agrícola Útil (SAU) nacional, embora se distribuam por 46% das explorações agrícolas existentes no Continente Português, o que evidencia que o regadio também se verifica em muitas explorações cuja área é maioritariamente de sequeiro, constituindo as áreas regadas um complemento fundamental para a viabilidade destas explorações.
O regadio tem igualmente impactos positivos importantes na coesão territorial e no desenvolvimento socioeconómico dos territórios beneficiados, nomeadamente, na geração de riqueza para as atividades que se situam a montante e a jusante da produção agrícola (prestadores de serviços, vendedores de fatores de produção, agroindústrias e serviços), na criação de emprego, e na fixação de população nos territórios rurais. Adicionalmente, muitos dos aproveitamentos hidroagrícolas são de fins múltiplos, pelo que servem outras finalidades para além do regadio, como o abastecimento às populações e à indústria, a produção de energia renovável, o suporte à atividade turística e o combate aos incêndios rurais.
As alterações climáticas, que se caracterizam essencialmente por uma redução gradual da precipitação anual, por um aumento das temperaturas médias, e pela ocorrência de períodos de seca cada vez mais frequentes, terão como consequência um aumento do deficit hídrico que atualmente já se verifica nos meses de Primavera-Verão, tornando o regadio ainda mais necessário para a sustentabilidade de alguns sistemas de produção agrícola.
Também em consequência das alterações climáticas, espera-se uma redução significativa das afluências superficiais às diferentes barragens que alimentam as áreas de regadio nacionais, nomeadamente nos regadios a Sul do Tejo, onde os níveis de armazenamento das albufeiras já têm apresentado valores historicamente baixos nos últimos anos, gerando constrangimentos na utilização de água para rega, de forma a salvaguardar do abastecimento às populações e aos efetivos animais.
No entanto, de acordo com Plano Nacional da Água (2016), as afluências superficiais verificadas, em ano médio, no território continental correspondem a cerca de 7 vezes o volume de água utilizado por todos os sectores da economia, sendo que a capacidade útil total das albufeiras existentes no Continente apenas consegue reter 31% do total destas afluências. Desta forma, os problemas de escassez de água que se têm verificado essencialmente em algumas albufeiras a sul do Tejo poderão ser minimizados através de uma gestão mais centralizada das diferentes bacias hidrográficas nacionais, nomeadamente:
- através do reforço da capacidade de armazenamento das barragens localizadas nas bacias hidrográficas onde as afluências são muito superiores aos volumes captados, sem prejuízo da manutenção dos caudais ecológicos a jusante destas infraestruturas (ex. o caso da Bacia do Tejo onde as albufeiras existentes apenas possuem capacidade útil para armazenar 20% das afluências totais em ano húmido);
- através da implementação de soluções de ligação entre bacias hidrográficas numa lógica de criação de uma “rede hídrica nacional”, com capacidade de efetuar transvases entre bacias onde as afluências são muito superiores às necessidades (Litoral Norte do País), para outras onde existe escassez (Sul do Tejo e Interior Norte).
Os diferentes aspetos acima evidenciados demonstram a importância estratégica do regadio para a sustentabilidade de muitos sistemas de produção agrícola, para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, para o desenvolvimento dos territórios rurais e para a coesão social e territorial. Neste contexto, não deveria o regadio constituir uma prioridade para os nossos decisores políticos?
Efetuando uma consulta rápida aos programas eleitorais apresentados, nas Legislativas de 2022, pelos principais partidos políticos com assento parlamentar, verificamos que apenas o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e a Iniciativa Liberal identificam claramente a necessidade de desenvolver/promover o regadio sustentável, embora este conjunto de partidos tenha obtido cerca de 76% do total de votos nestas eleições.
Como sabemos o Partido Socialista ganhou as eleições e formou o XVIII Governo Constitucional, tendo apresentado no seu Programa, como uma das prioridades para a agricultura e território rural, o regadio eficiente e resiliente.
Desta forma, podemos concluir que o regadio constitui, aparentemente, uma prioridade política para o Governo e grande parte dos decisores políticos eleitos nas últimas eleições legislativas. No entanto, importa saber se esta prioridade política se verifica efetivamente em termos de decisões de financiamento público e no desenho das medidas de política.
Em Dezembro de 2021 a EDIA apresentou um estudo intitulado de «Regadio 20|30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década», estudo esse que lhe foi encomendado pelo Ministério da Agricultura, com o objetivo de identificar as necessidades de investimento em regadio público. De acordo com este estudo, foi estimada uma necessidade de investimento de 2.257 milhões de euros, a que acrescem 197 milhões de euros de investimentos complementares nos regadios coletivos e privados, num valor global de 2.454 milhões de euros. No entanto, destes investimentos, apenas uma parte já possui um grau de maturidade (existência de Estudos e Projetos e aprovação pela Autoridade Nacional de Regadio) que lhes permite uma execução garantida até ao final de 2030, num valor global de 1.254 milhões de euros.
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Francisco Campello
ÁREA DE AVALIAÇÕES E PLANEAMENTOS ESTRATÉGICOS
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