Foram vários aqueles que se indignaram com os protestos dos agricultores da UE e de Portugal durante as recentes manifestações públicas por eles organizadas, argumentando, entre outras coisas, que eles estavam mal-habituados em consequência dos elevados níveis de subsídios de que beneficiam.
Houve mesmo quem afirmasse que os subsídios à produção em causa apresentariam, em média, cerca de 1/4, ou mesmo 1/3, da receita bruta das explorações agrícolas da UE.
A esses pretensos entendidos nos apoios públicos de que beneficiam os agricultores das economias mais desenvolvidas em geral e da UE em particular, recomendo que consultem um dos mais recentes documentos da OCDE, intitulado “Agricultural Policy Monotoring and Evaluation 2022” e que se baseiem nos dados aí publicados para responder às duas seguintes questões:
- Como é que nas últimas décadas têm evoluído os apoios públicos aos produtores agrícolas da UE?
- Que diferenças existem, actualmente entre os diferentes tipos de apoios públicos e respectivos níveis de suporte no contexto da UE e do conjunto dos Países da OCDE?
Para se responder de forma minimamente fundamentadas a estas questões, é indispensável começar por identificar e caracterizar os diferentes tipos de medidas de política com uma influência directa ou indirecta nas decisões de produção e de consumo dos produtos agrícolas, assim como os indicadores que permitam a respectiva avaliação.
São de dois tipos diferentes as medidas de política que têm um impacto sobre os produtores agrícolas dos Países da OCDE tomados individualmente: as medidas de suporte dos preços e os pagamentos aos produtores.
As medidas de suporte dos preços (MSP) interferem no processo de formação dos preços nos mercados agrícolas, fazendo com que os preços no produtor e no consumidor se formem a níveis diferentes dos respectivos preços paritários de importação/exportação. Trata-se, portanto, de medidas que influenciam directamente as decisões de produção e consumo dos produtos agrícolas provocando distorções nos respectivos mercados e gerando transferências de rendimento entre produtores, consumidores e contribuintes. Por estes motivos, são medidas que se comportam como subsídios à produção.
Os preços de intervenção, os direitos sobre a importação e os subsídios à exportação são exemplos deste tipo de medidas.
Os pagamentos aos produtores (PP) são transferências de rendimento dos contribuintes para os produtores que se podem classificar da seguinte forma:
- Pagamentos aos produtores directamente ligados à produção (PPDLP);
- Pagamentos aos produtores indirectamente ligados à produção (PPILP);
- Pagamentos aos produtores separados (ou desligados) da produção (PPSP).
Os PPDLP podem ser baseados quer nas quantidades produzidas, quer nas áreas cultivadas, quer no número de animais elegíveis. Trata-se de medidas que não interferem no processo de formação dos preços dos produtos agrícolas, mas que influenciam total ou parcialmente as decisões de produção, gerando transferências de rendimento, apenas, entre os contribuintes e os produtores agrícolas tomados individualmente. Por estes motivos são, também, medidas que se comportam como subsídios à produção.
Os apoios por hectare do milho, do arroz e do tomate para indústria, assim como os prémios às vacas leiteiras, às vacas aleitantes e aos ovinos e caprinos são exemplos deste tipo de medidas.
Os PPILP são baseados na prática dos preços no produtor inferiores aos respectivos custos em relação quer aos consumos intermédios, quer aos bens de capital fixo, quer ainda aos serviços externos às explorações agrícolas. Trata-se, portanto, de medidas que têm uma influência indirecta nas decisões de produção, gerando transferências de rendimento, apenas, entre os contribuintes e os produtores. Trata-se também de medidas de política que, no essencial, se comportam como subsídios à produção.
São exemplos deste tipo de medidas, os subsídios ao gasóleo e os apoios públicos ao investimento e aos seguros.
Os PPSP são medidas que não interferem, nem directa, nem indirectamente, nas decisões de produção, que geram transferências de rendimento, apenas, dos contribuintes para os produtores e que correspondem a pagamentos de serviços prestados pelos produtores quer de âmbito ambiental (gestão de recursos naturais, combate às alterações climáticas e restauro da biodiversidade e das paisagens agrícolas), quer de âmbito social (estabilização dos rendimentos, segurança alimentar e coesão territorial).
Os pagamentos base e redistributivo, os eco-regimes e as medidas agroambientais e clima, são exemplo de pagamentos de serviços prestados pelos produtores à colectividade.
Importa, ainda, realçar que, para além destes apoios aos produtores tomados individualmente, outros apoios existem que consistem em transferências monetárias dos contribuintes para os produtores tomados colectivamente, que correspondem a despesas públicas orientadas para o funcionamento e o desenvolvimento da agricultura e do meio rural. Trata-se dos Serviços Gerais Agrícolas de Interesse Colectivo (SGA) que dizem respeito: à investigação e desenvolvimento, aos serviços de inspecção agrícola, ao ensino e à investigação, à armazenagem pública dos produtos agrícolas, às infraestruturas agrícolas e à promoção dos mercados e comercialização de produtos agrícolas. A avaliação destes diferentes tipos de medidas de política pode ser baseada em cinco diferentes tipos de indicadores, três dos quais constam do documento citado e os outros dois que se podem facilmente calcular a partir dos dados por ele disponibilizados.
Os três indicadores que se podem obter directamente do documento em causa, para cada um dos Países da OCDE em geral e para o conjunto da UE em particular, são: o coeficiente de protecção nominal dos produtores (CPN); o coeficiente de suporte nominal dos produtores (CSN) e a estimativa de suporte aos produtores (ESP). Os outros dois indicadores a que irei recorrer são: o coeficiente de subsidiação dos produtores (CSubP) e a estimativa de subsídio aos produtores (ESubP).
O CPN permite-nos medir o efeito das MSP e dos PP baseados nas quantidades produzidas e nas receitas das explorações agrícolas.
O CSN permite-nos medir o efeito das MSP e da totalidade dos PP nas receitas das explorações agrícolas.
A ESP (%) mede o peso relativo assumido pela totalidade dos rendimentos de apoio aos produtores (MSP + todos os PP) na receita bruta das explorações (valor da produção a preços no produtor + a totalidade dos PP).
O CSubP permite-nos medir o efeito dos diferentes subsídios à produção (MSM + PPDLP + PPILP) nas receitas das explorações agrícolas.
A ESubP (%) mede o peso relativo assumido pelo conjunto dos subsídios à produção (MSP + PPDLP + PPILP) na receita bruta das explorações (valor da produção a preços no produtor + a totalidade dos PP).
Os dados que constam da Tabela 1, permitem-nos avaliar os efeitos das medidas de política agrícola em vigor na UE ao longo das três últimas décadas, dos quais importa realçar.
Primeiro, que o peso das transferências de rendimento geradas pelo conjunto das políticas agrícolas na receita bruta das explorações da UE se reduziu de forma muito significativa do triénio 1986-88 (38,4%) para o triénio 2000-02 (29,8%) e para o triénio 2019-21 (18,8%).
Segundo, que essa redução foi particularmente significativa, em geral para os efeitos dos subsídios à produção cujos coeficientes passaram de 1,62 para 1,14, entre os triénios inicial e final, e, em particular para os efeitos das MSP e dos PP baseados nas quantidades produzidas, cujos CPN se reduziram nas últimas três décadas, de 1,66 para 1,04. Tal evolução significa que, entre os triénios inicial e final, a taxa média de protecção da agricultura da UE se reduziu de 66% para, apenas, 4%.
Terceiro, que nas últimas décadas se assistiu na UE a uma alteração significativa na composição das políticas agrícolas, caracterizada por uma substituição dos subsídios à produção por pagamentos de serviços prestados pelos produtores, o que vem bem expresso no facto de o indicador ESubP ter sofrido uma quebra muito mais acentuada (de 38,4% para 11,7%) do que o indicador ESP (de 38,4% para 18,8%).
Os dados que constam da Tabela 2, que dizem respeito aos indicadores de avaliação dos efeitos das políticas agrícolas na UE, nos EUA e no conjunto dos Países da OCDE, em vigor no triénio 2019-21, permitem-nos concluir os níveis de protecção, subsidiação e suporte são muito semelhantes, em média, nas agriculturas da UE e da OCDE e, apenas, ligeiramente superiores na agricultura da UE face à dos EUA.
Pode-se, assim, afirmar que, hoje em dia, os níveis de apoios aos produtores agrícolas da UE são, em média, muito semelhantes aos dos produtores da OCDE e que a taxa média de subsidiação dos produtores da UE é actualmente de cerca de 12%, muito inferior aos 25 e 33% que alguns comentadores tinham avançado.
Importa, por último, sublinhar que:
- no conjunto das agriculturas da OCDE se verificam diferenças muito significativas nos valores do ESP entre as agriculturas dos Países mais e menos apoiados pelas suas políticas, o que vem bem expresso nos casos da Suíça e do Japão cujas ESP são da ordem de 50% e de 41%, face aos da Austrália e Nova Zelândia cujas ESP são de 3,2% e 0,8%;
- os apoios de que beneficiam em média, os agricultores dos Países com Economias Emergentes são muito inferiores aos dos Países da OCDE (ESP de 8,8% e 17,4%, respectivamente), que também nestes casos apresentam grandes diferenças, bem ilustradas pelos casos do Brasil (ESP = 1,52%) e da Indonésia (ESP = 18%).
Francisco Avillez
Professor Catedrático Emérito do ISA, UL
e Coordenador Científico da AGROGES